O
cenário futebolístico gaúcho foi movimentado nos últimos dias devido à decisão
do Tribunal de Justiça Desportiva de rebaixar para a Segunda Divisão o clube
Esportivo, de Bento Gonçalves, como penalidade às ofensas racistas que parte de
sua torcida desferiu contra o árbitro Márcio Chagas, em partida disputada
contra o Veranópolis ainda durante as rodadas do Gauchão deste ano. A dura (e
justa, e apropriada, e necessária) medida foi tomada em primeira instância e o
clube pode recorrer para tentar revertê-la. De qualquer forma, o recado começa
a ser dado de maneira mais explícita: não há lugar para o racismo na sociedade
moderna, e os que insistem nisso devem estar cientes das consequências de seus
atos incivilizados.
Mas
houve outro detalhe que me chamou a atenção em meio às dezenas de reportagens
que fui lendo para acompanhar o desenrolar desse caso. A equipe do jornal Zero
Hora conseguiu entrevistar um dos torcedores suspeitos das agressões racistas,
na intenção de compreender melhor suas estranhas motivações. Mantido no
anonimato, o suspeito declarou, em certa altura da entrevista, à guisa de
“defesa”, que não teria pronunciado frases racistas, mas que xingar juiz de
futebol é algo “normal”. Em suas próprias palavras, ele diz assim: “Esse
negócio de chamar de ladrão, safado, vagabundo, ordinário, isso é normal em
jogo de futebol. Agora, dizer que eu o ofendi, aí é outra coisa, né? Posso ter
xingado de ladrão e dessas coisas normais no futebol”.
Ou
seja, traduzindo: o citado “cidadão” (?) nega ter gritado insultos racistas,
mas admite ter proferido xingamentos de vários tipos contra o árbitro, o que,
em sua visão, é uma atitude considerada “normal”. Eu leio isso e fico aqui, me
perguntando: desde quando xingar alguém pode ser considerado algo normal? Xingar
é normal? Insultar então é aceitável no cenário do futebol, uma prática
esportiva que se apresenta como justa, fraterna, civilizada?
A
partir do momento em que passa a ser considerado “normal” desferir insultos em
determinado local ou situação, contra determinadas pessoas e/ou representantes
de determinada função, então, convenhamos, algo anda muito mal na base dos
conceitos éticos e morais de uma sociedade. Daí a avançar para insultos
racistas, basta um passinho. Hoje é “normal” insultar. Amanhã será “normal”
fazer insultos racistas. Depois de amanhã será “normal” jogar pedras. Depois de
depois de amanhã... bem... melhor nem pensar...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 18 de abril de 2014)
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