Família
é uma entidade viva e mutante, como se sabe, já que todos, invariavelmente,
pertencem a alguma. A minha, de alguns tempos para cá, passou a ser reformatada
pela chegada de novos integrantes via aproximações sentimentais e entregas de
encomendas pelas cegonhas. Dessa forma, uma nova leva de crianças tem povoado
os encontros familiares, alegrando o ambiente e exigindo atenções.
Dia
desses, eu recordei que existem maneiras diversas de distrair a gurizada além
de hipnotizá-las em frente a um televisor, a um celular ou a um Playstation.
Lembrei-me das mágicas. Especialmente das mágicas que eu mesmo, na
adolescência, protagonizava para distrair os adultos que frequentavam nossa
casa lá na Rua dos Viajantes, em Ijuí. Esquisito como sempre fui, eu
encomendava pelo correio livros de mágicas e kits com varinha, cartola, capa,
baralho especial e outros artefatos (só não vinha o coelho, que o candidato a
mago devia providenciar por conta própria), e me punha a treinar para, mais
tarde, causar sensação. E causava, especialmente quando errava os truques, mas
isso deixemos para lá.
Na
Páscoa, lembrei de dois ou três truques que poderiam ser feitos na hora,
utilizando objetos comuns, e fui ao trabalho. Sentei a turma toda defronte à
mesa da cozinha (mais adultos curiosos do que crianças) e causei espanto com o
surgimento dos coringas no topo do baralho, logo depois de eu os ter
matreiramente distribuído pelo meio do mesmo. As expressões de espanto
(”como?”... “ooohhh!!”... “ma, porco...”) indicavam que tudo ia bem, e segui
adiante. Decidi ousar mesmo, e reativar o fantástico truque do sumiço do
relógio de pulso. Como ninguém ali tinha um, peguei meu próprio telefone
celular, que daria na mesma, e fui para o “hocus pocus, alakazim, alakazam”.
Desapareceu
o celular sob os olhos arregalados das crianças e as barbas crispadas dos
adultos, todos conjugadamente boquiabertos. Um bom mágico não revela seus
truques e encerrei a sessão saindo de cena, mantendo acesa a sensação causada. O
problema, amigos leitores, é que não consigo lembrar da mágica toda, e não tem
jeito de descobrir onde diabos foi parar meu celular. Há dias que está sumido,
sumidíssimo (mágica das brabas, essa minha).
Ainda
bem que era meu e não dei prejuízo a terceiros. Só que agora minha esposa anda
murmurando pelos cantos que a maior mágica que eu fiz foi em mim mesmo:
transformei o adolescente mago em adulto anta.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 21 de abril de 2014)
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