Esta
eu gostei: cientistas de sei lá onde estão empenhados em estudar uma maneira de
desextinguir algumas espécies de animais, que estão extintas há milhares de
anos, e trazê-las de volta ao nosso convívio planetário. Um dos focos
principais do trabalho é o mamute, aquele bicho grande semelhante ao elefante,
porém, peludo e com presas maiores, que a gente vê em filmes e desenhos.
Eu
sou a favor da desextinção do mamute, especialmente porque, para isso, criou-se
esse verbo novo, “desextinguir”, e sou fissurado em neologismos, no que, por
sinal, me equiparo a Shakespeare (apenas na fissura, não na capacidade de criá-los,
óbvio, ressalte-se bem e rápido, para evitar as pedradas certeiras da patrulha,
que nessas horas costuma ter a mira afinadíssima). Mas já que vão desextinguir
(ah, vou usar o novo verbo hoje até me lambuzar, e recém estou na metade do
texto) o mamute e, depois, outros bichos dos quais temos saudades sem nunca
termos conhecido (na minha lista de prioridades entrariam o tigre dente-de-sabre,
o tiranossauro rex, o gliptodonte e, aproveitando o embalo, o monstro do Lago
Ness), poderiam também, já que são cientistas e operam milagres, expandir os
poderes da desextinção para outras áreas além da fauna pré-histórica, onde
algumas ausências estão fazendo uma falta maior.
Na
Língua Portuguesa, por exemplo, eu defendo que os cientistas procedam à
desextinção (agora já transito com intimidade pelas flexões e formas do verbo,
viram?) do trema, pois que ando cansado de comer linguiça sem trema. Linguiça
sem trema é insossa. Era o trema quem dava tempero à linguiça e, confesso, aqui
em casa, somos rebeldes e seguimos comendo é lingüiça mesmo, pois que aqui ela
não foi extinta, não, apesar dos predadores da língua. E aproveitando a onda da
desextinção, poderiam desextinguir o acento circunflexo do zoo, para que esses
locais possam receber os mamutes desextinguidos na antiga forma zôo, que é como
os mamutes estão habituados.
Ah,
e é preciso estender a aplicação da desextinção também às ciências sociais e
humanas. Vamos aproveitar o retorno dos mamutes aos zôos (que visitaremos
comendo lingüiças), para desextinguir entre nós, humanos, conceitos como
civilidade, cidadania, respeito, educação, tolerância, empatia,
responsabilidade, probidade, essas coisinhas todas, extintas, parece, há muito
mais tempo do que os mamutes, nas cavernas remotas da convivência social.
Desextinções como essas urgem, a fim de evitar nossa própria extinção enquanto
civilização.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 24 de abril de 2014)
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