Da
janela da sala em meu apartamento, observo o andamento de uma obra pública lá
embaixo, que, quando concluída, resultará em uma área de lazer inédita para o
bairro, com pista para caminhadas, banquinhos, pracinha, aparelhos de ginástica,
essas coisas. Com tudo isso a meu dispor a poucas quadras de casa, prevejo em
mim o redespertar do ânimo para empreender caminhadas diárias e exilar o
sedentarismo, o que me anima.
Mas
o que me desanima é o ritmo da obra. Ao longo da tarde em que passo no meu
escritório caseiro (“home office”, em bom português), dirijo-me de tempos em
tempos à janela da sala para verificar em que estágio se encontra o andamento
do trabalho lá embaixo, ávido que estou pela sua conclusão. E aí, me desespero.
Vejo lá os três homens de sempre, que já reconheço como os incumbidos da
tarefa, mas seus ritmos diferem entre si. O de camisa azul está lá no canto da
quadra, enxada em punho, puxando e nivelando a terra que tira de um montinho ao
lado. Já os outros dois, um de camisa branca e outro de cinza, escoram as mãos
sobre os cabos de suas respectivas enxadas, cada um ao lado de seu intocado
montinho de terra, e conversam.
O
quadro não se altera nos cinco minutos em que os observo, até retornar ao
computador e às minhas próprias tarefas. Uma hora mais tarde, faço nova pausa e
volto à janela, para espiar. E tudo segue igual como dantes. O de azul, puxando
terra. Os dois outros, olhando e conversando. “Bom, Marcos, se o que você quer
é exercício, por que não desce lá, arranca uma das enxadas do queixo de um
daqueles dois e se bota a puxar terra junto com o outro?”, pergunta meu Grilo
Falante. Mando-o calar a matraca e volto ao trabalho.
Mais
uma hora se passa. Assento-me em minha torre de observação e, dessa vez,
detecto que o cenário se alterou um pouco, com a chegada de um quarto elemento,
esse, de camisa amarela. Camisa amarela e enxada na mão. Mas nem a camisa
amarela e nem a enxada parecem exercer sobre o quarto elemento o efeito de
injetar ânimo ao trabalho, porque opta pelo grupo dos conversadores de queixo
escorado.
O
de azul segue lá, impávido, puxando e aplainando terra, sozinho, a tarde
inteira. Não fica sabendo das fofocas compartilhadas pelos outros três. Apenas
puxa e aplaina terra para que, um dia, eu retome minhas caminhadas. Até lá,
ainda tenho muito a fazer. Volto ao computador, porque a minha terra ninguém
puxa.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 3 de abril de 2014)
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