É preciso ter consciência de que
para tudo há uma ciência. Esse axioma básico para a compreensão de alguns dos
mecanismos da vida me foi ensinado por meu avô paterno ao me apresentar, na
minha adolescência, a um determinado livrinho.
Aprendi essa verdade saboreando
as páginas de uma singela obra intitulada “O Especialista”, escrita pelo
norte-americano Charles Sale (1885-1936), lançada no Brasil em 1949 pela
Editora Globo, adquirida e lida por meu avô paterno, guardada na biblioteca
pessoal dele até o fim de sua vida e hoje morando aqui comigo, a título de
herança. O livrinho não passa de uma despretensiosa, bem-humorada e sagaz
croniqueta versando sobre as atividades do personagem principal, Mané Pitorra,
que ganha a vida construindo e instalando latrinas.
Em 1929, quando o título surgiu,
nos Estados Unidos, era comum, tanto do lado de lá das Américas quanto do lado
de cá, contratar o serviço de trabalhadores especializados na construção de
latrinas, aquelas casinhas de madeira erguidas e instaladas do lado de fora das
residências, para as quais os moradores se dirigiam quando precisavam executar
algumas das ações biológicas que hoje em dia costumamos fazer nos nossos
modernos, assépticos, higiênicos e perfumados banheiros. A voz narrativa é dada
ao próprio Mané Pitorra, que começa dizendo assim:
“Vancês com certeza já ouviram
falar que nós estamos no tempo dos especialistas. O meu ofício é de
carpinteiro. De primeiro eu fazia casa, fazia galinheiro, e inté igreja eu
fazia. Mas depois vi que era preciso um especialista em meu ofício. Assuntei,
assuntei inté que dei com a minha especialidade. Fiquei nela! Minha gente, ocês
tão falando com o melhor construtor de privada de toda essa várzea do Pirixi”.
Como se vê, não é de hoje que se
faz necessário especializar-se. Penso nisso nesses dias de frio e umidade, em
que, ao primeiro sinalzinho de sol, corremos para fora a pendurar nossas roupas
lavadas que precisam secar e que acabam ficando mal cheirosas se permanecerem
úmidas dentro de casa. Porém, com as temperaturas caindo ainda mais ao final do
dia, é preciso recolhê-las por volta das quatro da tarde, sob pena de tê-las
novamente úmidas e geladas. Para tudo há uma ciência, até mesmo para administrar
com competência o processo de secagem de roupas no outono e no inverno. Não há
mais lugar para o amadorismo. É preciso sermos especialistas no que nos
dispusermos a fazer. Das latrinas às roupas no varal. Da construção de foguetes
ao cronicar. Do ser avô ao ser neto. Temos de ser especialistas nessa arte de
viver.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 30 de maio de 2014)
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