Para as aulas de catecismo,
quando eu era criança, tínhamos um livrinho ilustrado com cenas das principais
histórias da Bíblia, histórias essas que estudaríamos com os catequistas e
cujos ensinamentos nos deveriam servir de alguma coisa para nossas vidas. Isso
era lá nos meados dos anos 1970, um mundo bem diferente desse que está aí hoje,
por várias razões.
Uma delas era justamente as tais
ilustrações do livrinho de catecismo, todas elas em preto e branco, concebidas
para que as coloríssemos com os lápis-de-cor que assomavam em nossos elegantes
e exibicionistas estojos. Eu tinha um com 24 cores, incluindo o branco (que
usei para pintar as barbas de Noé) e o preto (útil para a barba de Barrabás na
cruz). Ficávamos encantados com a possibilidade de colorirmos todas as gravuras
daquele livrinho, e nos lançávamos em uma velada disputa para ver quem o fazia
de forma mais bela.
Uma das cenas que mais me exigiram
dedicação foi a do pequeno Davi com sua funda em punho, pronto para arremessar
a pedra rumo à cabeça do cabeludo e gigantesco Golias, estaqueado ali, com cara
de mau, ameaçador, espada em punho, aparentemente indestrutível. Sabíamos,
devido às histórias contadas pelos catequistas, que Davi acertaria a pedrada na
testa do gigante e o derrotaria devido ao uso da astúcia, da inteligência, em
detrimento da mera força física. Pintávamos Davi com esmero e dedicação, pois
ele era o herói da história, contra as cores sombrias com que vestíamos o
malvado Golias.
Por vias indiretas, ou talvez
obedecendo à intenção real da moral da história, passamos a aprender a torcer
pelos mais fracos, a criarmos dentro de nós o sentimento de empatia pelos menos
poderosos, de necessidade de cultivar a justiça e de protegermos quem parece
não ter forças para fazer frente aos Golias da vida. E agora, nessa copa do
Mundo do Brasil, em que seleções aparentemente frágeis andam a dar imenso
trabalho aos times historicamente mais fortes e tradicionais, percebemos que a
era dos Davis parece estar chegando para ficar. O salto alto dos Golias do
futebol anda trincando no meio dos gramados e os sustos estão se acumulando.
Ou é a Era dos Davis que se
estabelece, ou, quem sabe, o que as metáforas dos campos de futebol andam
querendo mostrar é que o que chegou ao fim foi a Era dos Golias. Nesse mundo
globalizado, a ingenuidade não tem mais lugar nem mesmo no futebol. Roncar
grosso e cantar de galo são coisas do passado e não há lápis-de-cor capaz de
camuflar as verdadeiras tintas do mundo atual. Humildade e esforço parecem ser
as únicas fundas hoje capazes de fazer frente aos desafios gigantes que temos,
seja na área que for. Mantenhamos nossos lápis sempre bem apontados,
portanto...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 23 de junho de 2014)
Nenhum comentário:
Postar um comentário