Ontem vi um cavalo desgarrado
correndo insano pelas ruas daqui do bairro, pouco depois do meio-dia, quando me
dirigia ao centro, de carro. Arremeteu pelo cruzamento coincidentemente no
momento em que o sinal estava verde para ele, mas tenho dúvidas de que o tenha
feito por ser um bom observador das leis de trânsito. O bom observador era eu,
que estava parado ao vermelho do meu lado, o que foi uma previdente sorte a
evitar ser abalroado pelo equino solto e apressado. Não sei para onde ia, mas
na manhã seguinte pensei que aquele pequeno episódio poderia render uma
crônica.
Mas não rendeu. Nem tudo que
cruza o sinal rende crônica. Um cavalo, um motorista desrespeitoso, uma senhora
de bengala. Quer dizer, tudo isso pode render, mas não rende obrigatoriamente,
se é que me entendem. Abandonei o cavalo louco e fui para as pesquisas. Com as
pesquisas, descubro que hoje, 25 de junho, é o Dia do Cotonete. É, sim, está
lá, escrito. Não sei se é verdade ou sacanagem, afinal, a internet, assim como
o papel e nossas mentes, aceita qualquer coisa, e pode muito bem ser piada de
algum espertinho. Mas de qualquer forma, está lá: Dia do Cotonete. Fica difícil
saber, uma vez que inventam dia para tudo, não seria surpresa existir mesmo o
Dia do Cotonete. Bom, pode render crônica.
Fui estudar a origem do
cotonete. Descubro que a haste higiênica flexível foi inventada por um polonês
em 1920. Tem o nome do tal polonês. Tenho preguiça de copiar e escrever o nome.
Sem falar que, daqui a seis anos, em 2020, talvez o assunto renda crônica,
quando o cotonete fizer um século de existência. Mas agora, não. Abandono o
cotonete ao lado do cavalo cruzador de sinais verdes.
Súbito, recordo as novas
aventuras de meu afilhado, agora que ele já fala frases com sujeito, verbo e
predicado; pede para visitar a casa dos dindos; conta episódios acontecidos na
escolinha e conversa ao telefone. Concordo que é tudo terno e encantador e que
renderia nova crônica sobre os passos do despertar de uma criança (ou sobre os
passos do despertar de pais e de padrinhos/tios), mas estou bloqueado. Sou
invadido por uma sensação de culpa ao colocar o afilhado junto aos temas
descartados para esta crônica, sentado sobre o cavalo desgarrado, a segurar uma
caixinha de cotonetes aniversariantes.
Tem dias em que não há nada de
errado com o mundo, muito pelo contrário. Quem acorda na contramão é você
mesmo. O segredo é reconhecer a coisa e não querer ficar botando a culpa no
cavalo que cruza o sinal. Afinal, cruzou no verde. Não há nada de errado com
ele. Talvez um cotonete me destampe os humores. Ou um abraço do afilhado.
Amanhã prometo uma crônica.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 25 de junho de 2014)
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