Nos tempos de antanho, nossos
adereços para sairmos de casa se resumiam ao chapéu, à bengala, às luvas, às
perucas, aos relógios de bolso, às gravatas, às sombrinhas, às echarpes, aos
lenços perfumados, aos bigodes, às suíças e costeletas. Tudo muito simples,
tudo muito romântico e elegante. Ataviávamo-nos defronte ao espelho,
conferíamos se tudo estava no seu devido lugar (o lenço elegantemente dobrado
no bolso da frente do paletó, pronto para ser alcançado a alguma indefesa dama
espirrante na primeira esquina na rua, por exemplo) e saíamos ao mundo,
desfilando garbosidades.
Ah, isso sem falar no delicado
estojinho de rapé, aquele pozinho provocador de suaves espirros que foi moda em
várias partes do mundo durante algum tempo, pois não é mesmo? E também as polainas,
aquelas alvas capinhas protetoras de calçados, tão úteis na época em que
calçadas e paralelepípedos eram luxos existentes só nas ruas das áreas mais
centrais das cidades. Ademais, era poeira e barro mesmo e não sei como é que as
damas mantinham limpas as barras dos brancos vestidos rodados com que
desfilavam pelas praças e avenidas nas horas do “trottoir”.
Alguém ali lembrou também dos
elegantes estojos dourados ou prateados para as cigarrilhas, claro, como
olvidar? E as piteiras, lembrou a senhorinha que ergueu o dedo! Sim, as
piteiras, é verdade, que finura que eram, a senhora tem razão. E os colares de
pérolas, pérolas de todas as cores: brancas, alaranjadas, azuis... a sua tia
guarda até hoje? Sim, a minha também... que lembranças bonitas!
Hoje, dizem que o mundo ficou
mais prático, mais fácil, mais informal. Ninguém precisa mais de chapéu,
cartola, fraque, relógio de bolso, caderneta e lapiseira, essas coisas.
Solucionamos tudo saindo de casa correndo e passando a mão nas parafernálias
eletrônicas que se transformaram nas bengalas de nossas vidas: celular, ipad,
tablet, notebook, iphone, smartphone, netbook... Mas ai de você, ai de mim e ai
de qualquer um de nós se esquecermos de dar em casa a maldita carga na bateria.
Abandonamos as piteiras para nos tornarmos escravos dos cabos dos carregadores.
“Que fim levou o carregador do celular? Não, esse é o do ipad...”.
Ontem, por exemplo, fiquei feliz
porque esqueci o guarda-chuva na livraria. O lapso de memória me fez sentir
gente de novo. Diferentemente do outro eu que esqueceu de carregar a bateria do
celular antes de sair para a rua e me tornar assustadoramente incomunicável
durante algumas horas. Se eu sem celular tenho a impressão de me apagar para o
mundo moderno, ao menos eu molhado de chuva tenho a sensação de respirar vida
real de novo.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 18 de junho de 2014)
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