Dizem que quem vê cara não vê
coração. Ou seja, não basta uma avaliação superficial do visual de alguém ou de
alguma coisa para definir sua essência ou seu conteúdo. A língua inglesa
utiliza metáfora com outros termos para expressar a mesma ideia: não se pode
julgar um livro pela capa.
Serve para livros, sem dúvida.
Você só vai poder julgar a obra depois de passar pelo trabalho de lê-la. Não
basta apenas apreciar a eventual beleza gráfica de sua capa, normalmente
produzida por artista que não é o autor do texto. Serve para pessoas,
especialmente a versão brasileira do ditado, citada na abertura do texto. Um
rostinho bonito não representa necessariamente uma pessoa confiável, íntegra,
de bom coração. É fácil maquiar uma má essência com artifícios e recursos de
embelezamento. Para conhecer “o coração” de alguém, precisamos privar a
companhia dessa pessoa, a fim de, somente assim, termos elementos para sabermos
quem de fato ela é.
Pois tudo muito bem quanto ao
ditado em relação a livros, pessoas e uma série de outras coisas. Mas há uma
falha na abrangência do axioma que o impede de ter aplicação universal (a meu
ver, é claro, pois que não sou dono da verdade). Ele não se aplica à
gastronomia. Nesses domínios, quem vê cara, normalmente vê coração, sim. E na
maioria das vezes, é possível julgar a polenta frita somente ao lançar os olhos
sobre o douradinho da crosta crocante que a envolve, recém chegada da cozinha.
Aquele salmão rosadinho que
aterrissa em seu prato, coberto com uma malha de alcaparras e amêndoas, além de
um raminho de alecrim, qual a chance de seu sabor não corresponder ao visual
que o antecede? Nenhuma! Nenhuminha! E como resistir nas ruas da cidade,
especialmente aos domingos, ao visual sedutor dos frangos assados às dezenas
nas assadeiras de calçada, colocadas ali justamente para que as unidades sejam
vendidas justamente pelo visual atraente? Qual a chance de o frango assado não
proporcionar um almoço suculento para toda a família? Zero, né.
Sim, claro, acontecem exceções.
Mas são raras, e a regra geral, na culinária, é de que o visual costuma
antecipar a qualidade do sabor. Polenta linda é igual a polenta gostosa.
Polenta feia provavelmente proporcionará uma refeição desagradável. Até porque,
são justamente os elementos como o cuidado no preparo da comida, a observância
dos rituais certos e o talento empregado na confecção do alimento que irão
resultar tanto na comida de qualidade quanto no aspecto belo e revelador.
Nesses casos, dá até para julgar
de olhos fechados. Mas só nesses casos, ressalte-se.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 2 de junho de 2014)
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