“Um cavalo! Um cavalo! Meu reino
por um cavalo”! Foi da imaginação genial de William Shakespeare que saíram
essas poderosas frases, atribuídas ao Rei Ricardo III na peça de mesmo nome,
escrita mais de 400 anos atrás.
Rei Ricardo III, grande tirano,
está no campo de batalha, já no final da peça, e sabemos que ele vai morrer.
Não vemos as cenas explícitas de combate (Shakespeare nos poupa do explicitismo
e dos efeitos especiais que são a tônica das criações cênicas cinematográficas
da modernidade), mas temos noção de sua selvageria devido aos efeitos delas, como
o estado lastimável do Rei e seu desespero ao detectar que seu cavalo foi
abatido e ele precisa de outro animal para se mandar dali e preservar sua vida.
O Rei implora aos ventos por um
cavalo. Implora a quem quer que possa ouvi-lo e providenciar-lhe o único meio
de fuga capaz de lhe evitar o destino trágico e certo (e predito em sonhos
pelos espectros das vítimas de suas crueldades). Que alguém lhe faça surgir um
cavalo! Ele está disposto a dar seu reino inteiro em troca de apenas um cavalo
que lhe permita garantir a posse de seu bem mais precioso: a própria vida. Logo
ele, que desvalorizou as vidas de quem quer que se interpusesse em seu caminho
ao longo da peça. Só que agora é tarde, Rei Ricardo, afinal, você não tem mais
poder de barganha, pois seu reino lhe escorre das mãos, e nada há para trocar.
Ricardo clama pelo cavalo, mas é
abatido logo depois por espadas que redimem a ordem e a justiça ao final da
peça shakespeariana. De nada adiantaram o desespero e a frase de efeito. Lembro
do Rei Ricardo quase todos os dias pela manhã, quando sento-me aqui para
escrever estas linhas diárias. “Uma crônica. Uma crônica. Meu reino por uma
crônica!”, vou eu bradando em silêncio pelos cômodos do apartamento, na
esperança de que as musas da inspiração se condoam de mim e me soprem um tema
aprazível. Às vezes, funciona. Outras vezes, não. O problema é que nenhuma das
musas acredita no meu poder de barganha, afinal, elas são antigas e já viram
esse filme antes: Ricardo não tinha mais reino nenhum a ofertar em troca do
cavalo. E eu, que reino haverei de ter para cambiar por uma crônica?
As musas sabem que meu desespero
não é para tanto, nem chega aos pés daquele que acossava Rei Ricardo, o
descavalado. Tenho a sorte de, nesses momentos de crise inspiratorial, poder
lançar mão a uma metáfora presenteada por Shakespeare e resolver meu pequeno
draminha. Sorte a minha não ser personagem shakespeariano. E de não precisar
comprometer a entrega de meu reino, afinal, as prestações são a perder de
vista...
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