A data de hoje, 3 de junho, não
pode passar batida para quem se interessa pelo mundo da literatura e habita com
alegria os vastos logradouros do Planeta Livro, essa região intangível e
desprovida de limites geográficos que agrega leitores, escritores, editores,
livreiros, livros, tramas e personagens. Exatamente neste dia, 90 anos atrás,
consumava-se entre dois amigos uma traição feita a um pedido externado no leito
de morte. O não atendimento à solicitação do moribundo configurou-se, para a
posteridade, em um dos mais importantes legados literários já deixados ao
mundo, na obra do escritor tcheco Franz Kafka.
Agonizando devido à tuberculose
em um sanatório na Áustria, aos 40 anos de idade, Kafka (1883-1924) pediu
encarecidamente a seu amigo e testamenteiro Max Brod (1884-1968) que
incinerasse todos os seus livros, cartas e escritos ainda inéditos, a fim de
que não viessem a público. Kafka morreu em 3 de junho de 1924 e Brod reuniu e
guardou todos aqueles textos, desobedecendo ao desejo do genial amigo. Não só não
os queimou como ocupou-se em publicar algumas das obras kafkianas que hoje
integram a lista de livros basilares da cultura ocidental moderna.
“O Processo”, “O Castelo” e
“Amerika” são algumas das obras publicadas postumamente por ingerência de Brod,
que vieram se somar a títulos como “A Metamorfose”, “Na Colônia Penal”, “O
Veredicto”, “A Muralha da China”, “Um Médico Rural” e tantos outros,
indispensáveis para quem desejar mergulhar em alguns dos melhores exemplos do
que o engenho humano na arte de fazer literatura já produziu. O desejo estranho
de Kafka de querer que seus inéditos fossem destruídos se ampara na visão
autocrítica que o autor manteve a vida inteira em relação à sua própria
qualidade enquanto escritor. Kafka nutria dúvidas quanto à excelência daquilo
que escrevia. Mas Max Brod não compartilhava dessa dúvida. Max Brod tinha era uma
certeza: a de que o amigo era um gênio. E foi por fidelidade a essa certeza que
optou por trair o desejo humano do amigo. Brod optou pelo interesse da
humanidade como um todo, e acho que fez bem.
Se não tivesse agido dessa
forma, estaríamos hoje há 90 anos privados de poder saborear textos
fundamentais para conhecermos a amplitude do olhar sobre a essência humana que
Kafka nos proporciona pelo conjunto de sua obra. Essa data de 3 de junho ainda
merece encontrar um lugar mais ao sol no calendário do Planeta Livro.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 3 de junho de 2014)
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