É no dia-a-dia e nas atividades
mais prosaicas do cotidiano que vamos detectando a importância de termos tido
destreza em algumas das brincadeiras mais inocentes da longínqua infância. Não
canso de admirar, por exemplo, todos os dias, a inacreditável habilidade que
minha esposa apresenta no momento de lavar a louça e ir moldando uma cada vez
mais alta e periclitante pilha de utensílios sobre as limitadas dimensões do
escorredor. É surreal.
Os pratos e potes vão servindo
de base para a estrutura toda, que vai sendo edificada em camadas com a chegada
posterior dos coadores, das panelas, das tampas das panelas. Pelos lados, vai
surgindo um cerco semicircular de xícaras e copos emborcados, por sobre os
quais passam a repousar, provocando os efeitos da lei da gravidade, o ralador
de queijo, as frigideiras, o abridor de latas. Paralelamente a isso, o espaço
destinado aos talheres, disposto na horizontal em nosso escorredor, também vai
formando uma pilha à parte, em um entrevero de colherinhas, colheronas, garfos,
facas, facões, que, se você puxar um deles errado, vem-se abaixo a torre toda e
aí, criatura, será um deus-nos-acuda.
Mas o desastre jamais acontece,
porque ela tem esse dom raro de saber equilibrar a coisarada toda sem que
despenque sequer uma colherinha de chá, daquelas miudinhas. E olha lá a tampa
da panela de pressão, que se equilibra exibida no topo da pilha toda, radiante
ali como se fosse uma estrela de Belém no alto de um pinheirinho de Natal. E
tudo isso sabe devido a quê? Pois explico: minha esposa era expert em fazer
castelos de cartas de baralho, na infância. Foi ali, em Uvanova, naquelas
longas tardes serranas, comendo polenta brustolada, que ela desenvolveu a
técnica e a habilidade de empilhar sem deixar cair, que agora lhe são tão úteis
para a harmonia (e a assepsia) de nosso lar.
E eu, sabe onde é que entro na
história? Eu sou o cara que consegue, mais tarde, desmontar a pilha toda para
guardar a louça seca, sem derrubar nadica de nada. Vou tirando as peças uma a
uma e a pilha mantém-se sempre sólida, inderrubável. Como consigo isso?
Simples: é que fui também eu, na infância em Ijuí, um ás no jogo de
pega-varetas. Cada varetinha removida na infância sem mexer na pilha geral das
varetas representa hoje uma xícara retirada da pilha de louça sem derrubar
nada.
Então fica a dica, gurizada:
larguem um pouco o computador e as xbox e vão lá empilhar cartas e jogar
pega-varetas, se quiserem ter, no futuro, um casamento harmonioso. Bom... isso
se no futuro, em uma vida cada vez mais virtual, continuar existindo louça que
quebre, vai saber, também...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 30 de junho de 2014)
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