Jamais. Jamais uma mordida de um
ser humano em outro será justificável. A não ser em casos em que a prática
esteja inserida em um contexto de demonstração de afeto, aquela coisa
“mordidinha carinhosa”, que os casais apaixonados bem conhecem. Mas é só. Fora
isso, uma pessoa atracar a dentadura no corpo de outra é crime de lesa
civilização. E se mordeu, precisa responder pela consequência de seu ato
canibalístico.
Essa é a discussão que se impôs
desde a tarde de quarta-feira, quando percorreu o mundo a imagem do jogador
uruguaio Luis Suárez cravando os caninos no ombro do italiano Chiellini, em
partida da Copa do Mundo que despachou a seleção italiana de volta para a bota
europeia. Além da humilhação da má performance do escrete tetracampeão mundial,
Chiellini leva de volta na bagagem as marcas da dentadura do uruguaio tatuadas
em seu ombro. Lamentável. Pior quando se fica sabendo que Suárez é reincidente
na prática da mordida nos adversários dentro das quatro linhas. Em não havendo
punição exemplar, estará aberta a porteira para o futebol ir se tornando uma
disputa entre rottweilers e pittbulls... ganha quem morde mais. Ruim, hein?
O boxeador Mike Tyson também
entrou para os anais do esporte maculado por bocanhadas ao cravar os dentes na
orelha de Evander Holyfield no ringue em 1997. Cena dantesca, melhor nem ser
lembrada. Nada disso se justifica. Meu afilhado de dois aninhos, dia desses,
foi mordido por um coleguinha dele na escolinha, no dia em que todos deveriam
levar brinquedos de casa e emprestá-los entre si, para irem aprendendo a noção
de partilhar. Meu afilhado levou um cavalo garboso e o tal coleguinha quis
adonar-se dele. Meu afilhado quis proteger a propriedade de seu cavalo e levou do
coleguinha mordida nas costas. Mas são crianças, o episódio faz parte do
processo de aprendizado, apesar de também precisar ser imediatamente
identificado e coibido.
Eu já tinha uns bons duns dez
anos de idade quando cravei meus dentes com toda a força do mundo nos dedos do
dentista que enterrava uma broca malvadíssima dentro de uma cárie em um dente
meu, naquelas cadeiras de dentistas sem anestesia dos anos 1970, em Ijuí.
Lacrei a boca e meti-lhe a dentadura, para que ele provasse da dor que estava
me causando. Foi mal, lembro da marca dos meus dentes nos dedos gorduchos dele,
e da cara de apavorado que fez. Eu não devia ter feito isso, e nem serve de
exemplo para nada. Cravar os dentes não é civilizado, a não ser para degustar
um hambúrguer ou uma costela bagual. Ademais... que gosto ruim a orelha do
Holyfield, o ombro do Chiellini, o dedo do meu dentista... As costinhas do
afilhado... bom... ele é fofo... até eu morderia... É o único caso
justificável.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 27 de junho de 2014)
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