Alguns livros de minhas estantes
acordaram muito excitados ontem pela manhã. Logo ao me verem em pé, invadiram
meu moroso processo de transição entre o sono e o despertar exigindo que eu
escrevesse a crônica de hoje tendo como tema o significado importante da data
de 30 de setembro para o universo da literatura. “Ué, mas ce qui se passe?”, perguntei a eles, misturando línguas, fenômeno
típico de meus acordares, mas preocupante porque, desperto, sequer arranho o
francês.
Pulando nas prateleiras como passarinhos no
ninho excitados com a chegada das minhocas no bico da ave-mãe, os livrinhos
mais salientes me informaram que hoje, 30 de setembro, comemora-se a publicação
da Bíblia de Gutenberg, ocorrida nesta data no ano de 1452, marcando o
nascimento dos livros impressos. Motivo suficiente para estarem bem alegrinhos,
uma vez que foi a invenção de Gutenberg que permitiu a existência de todos
eles.
Achei justa a reivindicação e
decidi que, sim, escreveria sobre isso. Porém, não pude deixar de estranhar o
silêncio reservado de minhas enciclopédias, dicionários e biografias ali no
canto. Sei que eles são mais contidos por natureza, mas ficou algo no ar, até
porque, os arautos da reivindicação eram justamente aqueles meus livrinhos
assim, digamos... mais superficiais.
Antes de meter dedos ao teclado,
achei prudente investigar. Sim, a internet, em diversos blogs e sites, indica a
data de hoje como sendo relativa à publicação da Bíblia de Gutenberg. Mas senti
falta de uma fonte histórica mais confiável, uma vez que a internet aceita tudo
e é muito fácil um blog copiar do outro sem proceder a uma peneirada mais
criteriosa das informações. Após muito navegar, decidi me levantar e lançar mão
à consulta direta daqueles meus sempre confiáveis dicionários, biografias e
enciclopédias impressos, que esperavam por mim ali, no cantinho deles. E
batata: há controvérsias. Gutenberg levou anos compilando sua primeira edição
impressa da Bíblia, mas não se sabe exatamente quando ela veio a público.
Portanto, não poderei escrever esta crônica. Afinal, é preciso confiar
desconfiando, como nos ensina sempre a boa literatura... impressa!
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 30 de setembro de 2014)