“A vida é sonho”, afirmava o
dramaturgo e poeta espanhol Calderón de la Barca (1600 – 1681) em uma de suas
mais famosas peças, intitulada exatamente com essa frase. Por meio da trama
desenvolvida pelos personagens, o escritor passa nas entrelinhas e no subtexto
o conceito de que a vida que viemos aqui na Terra não passa de uma miragem, de
um devaneio longo e coerente, do qual despertamos para a verdadeira existência
por ocasião de nossa morte terrena.
Segundo ele, essa vida que estamos
a compartilhar aqui e agora não passaria de sonho. Argumento interessante a ser
pensado nesse dois de novembro, Dia de Finados, reservado para prestarmos
homenagem à memória dos nossos entes-queridos que já saíram de cena. Teriam
eles então despertado do sono? Não sabemos e, quando for o momento, teremos,
cada um de nós, o privilégio de também conhecer a resposta.
Mas enquanto seguimos aqui,
“sonhando”, vale a pena dedicarmos alguns momentos deste domingo para refletir
sobre as particularidades das vidas (sonhadas?) que levaram aqueles a quem
homenageamos com saudades e, desses exemplos, tirarmos lições para o aprimoramento
do “sonho” que vamos tecendo cada um de nós em nossas próprias jornadas por
aqui. Nossos parentes, amigos e conhecidos já partidos deixaram universos
inteiros atrás de si e é por meio do resgate da memória deles que podemos obter
esse patrimônio precioso que é a sabedoria.
Meu avô, que já ultrapassou a
marca dos 90 anos, gosta de frases de efeito advindas das elucubrações que o
caracterizam, e uma delas diz respeito a esse tema. “Cheguei em uma fase da
vida em que a maioria das pessoas que eu conheço está nos cemitérios”, falou,
certa vez. Esse é um dos preços necessários de se pagar por quem conquista a
tão almejada longevidade. Com o passar dos anos, as partidas vão se acumulando
à nossa volta e às vezes somos invadidos por um estranho sentimento de
assozinhamento, parecido com a sensação que assalta o anfitrião a quem cabe
apagar as luzes da festa e trancar a porta. Creio que o desafio que nos é
imposto é o de tentarmos sonhar o mais lucidamente possível, até a hora do
despertar.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 1 de novembro de 2014)
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