É cada vez mais astronômica a
distância que vai se abrindo entre o comportamento de cidadãos habitantes de
mundos civilizados e pseudocidadãos habitantes de terras de ninguém. Exemplo
disso aconteceu dia desses em um voo doméstico nos Estados Unidos. Deu na
imprensa do mundo todo e foi noticiado por aqui também, porque um brasileiro a
bordo presenciou o ocorrido.
Foi assim: um casal embarcou no
avião levando junto sua filhinha, um bebezinho de oito meses de idade. Para
surpresa dos passageiros ao redor, os pais do bebê distribuíram cerca de 40
kits contendo um par de tampões de ouvidos, balas e um bilhetinho. A mensagem dizia
assim: “Olá. Sou uma menininha de oito meses e esse é meu primeiro voo!
Normalmente sou um bebê feliz, mas gostaria de me desculpar com antecedência se
eu ficar inquieta, assustada ou chateada porque meus ouvidos doem. Mamãe e
papai estão fazendo o possível para me acalmar, e esperamos que esses doces e
tampões de ouvido ajudem a tornar sua viagem comigo um pouco mais fácil. Tenha
um bom voo!”.
Genial! Sim, genial e, além
disso, muito fofo também, admito. Genial e fofo. Mas muito mais do que isso:
civilizado. Muito civilizado. Inconcebivelmente civilizada a atitude dos pais
da bebê, para os padrões bárbaros e trogloditas que regem a (in)convivência
humana entre as gentes de lugares que vão sendo transformados em pré-históricos
devido às más atitudes de seus habitantes.
Onde já se viu, dir-se-ia por
outras plagas incultas, pensar nos outros? Onde já se viu se importar se
desconhecidos vão ficar incomodados com o choro de nosso bebê a bordo? Ora,
cada um que cuide de sua vida, não é isso o que se pensa nessas plagas
medievais? Os outros? Os outros quem? Que outros? Existem eu e eu, não é assim?
Somos sozinhos no mundo, nós, os incivilizados. Somos sozinhos nos aviões, nos
restaurantes, nos cinemas, nas filas, no trânsito, na vida.
Ah sim, os outros. Lembramos
deles quando queremos que façam algo por nós, não é mesmo? Pois é. E assim, o
fosso vai aumentando, uma vez que não temos sequer um décimo da civilidade de
um bebê de oito meses de idade.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 13 de novembro de 2014)
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