Estava andando pelas ruas
centrais da cidade manhã dessas e de repente recebi um encontrão de um Papai
Noel apressado. Ele acotovelou-me nas costas, abrindo passagem entre o grupo de
pessoas que aguardavam na esquina a abertura do sinal para pedestres, e foi-se
reto rumo não à casa de alguma criança comportada que merecerá ganhar presentes,
mas provavelmente em direção à loja ou ao shopping que o contratou para animar
as vendas.
Mas a questão aqui é que ele não
pediu desculpas. Quem esbarrou foi ele; quem recebeu o encontrão fui eu. E a
matemática da vida em sociedade, nesses casos, tem uma equação bem clara: quem
esbarra deve pedir desculpas a quem é esbarrado. Mesmo que o esbarrante seja o
Papai Noel. A não ser que Papai Noel, Coelhinho da Páscoa, Bicho-Papão e a Cuca
tenham imunidade que lhes absolve da necessidade de pedidos de desculpas. Ou
talvez eles pensem que, uma vez que são celebridades perenes, a lógica deva
atuar de forma invertida e o esbarrado pedir a eles desculpas pelo esbarro que
eles próprios provocaram. Mas acho que não.
O fato é que isso comprova que
muita coisa anda mudando e andando do avesso nesses dias de hoje. Primeiro, que
Papai Noel não tem de ficar andando a pé e apressado pela cidade, mas o que
fazer se, com esse trânsito caótico, precisou estacionar o carrinho com as
renas várias quadras longe de seu objetivo? E hoje em dia também não importa
mais se a criança se comportou e tirou notas boas no colégio. O comércio deseja
vender, as pessoas querem consumir e a presentaiada forra tanto os sacos do
Papai Noel que ele precisa empregar representantes diversos para dar conta do
recado.
No meu tempo, criança que não se
comportava recebia uma varinha de marmelo que Papai Noel colocava no topo do
pinheirinho de Natal. Nunca era usada, mas funcionava como aviso. Hoje em dia,
quem é que vai exigir bom comportamento das crianças se os adultos, que
deveriam dar o exemplo, jogam lixo nas ruas, desobedecem às regras de trânsito,
furam filas, sonegam impostos? E eu aqui, me impressionando com um pobre e
apressado Papai Noel esbarrante...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 29 de novembro de 2014)
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