Aconteceu alguns anos atrás aqui
em Caxias do Sul, em um bate-papo sobre literatura com um escritor convidado
vindo de fora. O auditório estava lotado, o público atento, a palestra dinâmica
e atraente. Terminada a explanação inicial, o autor, experiente nessas coisas
de palestras com leitores, abriu para as perguntas. Foi aí que aconteceu.
Lá de um canto, ouviu-se então a
voz de uma senhora que havia levantado a mão e já ia fazendo a pergunta quando
foi gentilmente interrompida pelo palestrante, que, antes de mais nada,
desejava saber o seu nome. Deu-se mais ou menos assim o diálogo, que reproduzo
a partir das falhas de minha memória:
“Como a senhora se chama?”, quis
saber o escritor. “Ah, meu nome é Iracema”, respondeu a senhora. “Iracema!
Prazer, dona Iracema. Que belo nome. É nome de uma famosa personagem de romance
de José de Alencar, sabia? Iracema, dos lábios de mel. A senhora tem lábios de
mel, dona Iracema?”, perguntou o escritor, brincando com o nome da leitora,
evocando um dos autores mais importantes da literatura nacional e dando um show
de gentileza. “Eu não sei”, foi a resposta da leitora.
Ela não sabia. Não sabia
responder se ela, a exemplo da personagem literária, possuía também lábios de
mel. Ela não sabia. Ao responder de forma tão imediata à inesperada pergunta, a
sinceridade lhe aflorou aos lábios que, se não eram de mel, eram, no mínimo,
besuntados de ingênua e sincera honestidade. Porque ali, exposta na frente de
toda uma plateia, dona Iracema, a leitora de carne e osso, não sucumbiu ao
apelo às vezes irresistível da autopromoção, nem aos ditames do ego, que tantas
vezes nos induzem a sairmos por aí vendendo um peixe que nem sempre condiz à
envergadura real de nossas nadadeiras.
Dona Iracema não sabe se tem
lábios de mel. Aquele doce e suave e sincero “não sei” inundou o anfiteatro e
não sei eu aqui se a profundidade poética daquele dizer ressoou também em
outros ouvidos além dos meus. A aparente incerteza da resposta foi decorrente
da convicção de uma alma sincera. Que raridade! No mínimo, naquele momento
houve, sim, mel nos lábios daquela Iracema real. O raro mel da modéstia
sincera.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 17 de novembro de 2014)
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