Foi tudo muito rápido (gosto dos
clichês exatamente por essa capacidade que eles têm de resumir com eficiência
um conceito, de expressar sem subterfúgios uma sensação ou uma situação). Por
que, então, usar de artimanhas linguísticas para dizer de outra forma aquilo
que um bom e batido jargãozinho consegue comunicar? Foi, sim, tudo muito
rápido, conforme o clichê, e, quando dei por mim, eu já estava no chão, braços
e pernas para todos os lados.
Fazia tempo que eu não caía.
Sequer recordo quando foi a última vez que me estatelei no solo, desabando-me
sobre mim mesmo, transformado de súbito em castelo de cartas que desmorona ao
vento. A lei da gravidade existe desde que a Terra gira em torno de si e vale
para todos, sem distinção. Dela não escapam crentes nem pagãos, papas ou
bispos, reis ou súditos, homens, mulheres, idosos, crianças, ricos, poderosos,
pobres. Quando é para cair, cai-se por completo, em um átimo, záz! O que estava
em pé um segundo atrás perde, em um piscar de olhos, a compostura, a empáfia, o
garbo, para apatrafar-se na horizontal de nariz ao solo, concretizando o ato da
queda.
Como, senhora? Antes que eu
prossiga, quer que eu explique o verbo “apatrafar”, que usei ali? Ah, não,
senhora, vai me dizer que a senhora jamais caiu? Quem já caiu, sabe do que
estou falando. A gente se apatrafa ao solo e pronto. Depois de apatrafar-se,
resta à vítima erguer-se o mais rápido que lhe permitirem suas condições físicas
e morais, recolher os pedaços de sua dignidade espalhados ao redor e
recolocar-se na posição ereta, que é o que exige e convém à verticalidade de
nossa vida em sociedade.
Mas, como disse, foi tudo muito
rápido. Domingo à tarde, descendo o morro da chácara do sogro, carregando
sacolas repletas de frutas, resvalei nas pedrinhas que recheavam o meio do
caminho e foi o que bastou para que rolassem ladeira abaixo laranjas, pêssegos,
limões e pedaços da dignidade de meu eu. Esfolei a palma da mão e um joelho e
rasguei uma parte da calça. Foi quando descobri que a dor de um joelho esfolado
tem sabor de infância. Tomara que ela ainda dure alguns dias mais...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 4 de novembro de 2014)
2 comentários:
Hahahahahah!
Desculpe, mas eu não posso ver (ou imaginar) alguém se estatelando no chão.
Hahahahahaha!!!!!
Mas que medonha!!!!
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