Mentir,
queiramos ou não, admitamos ou não, é um atributo da natureza humana. Quem
afirma que não mente, mente. Mentiu quem disse que jamais mentiu. Mentimos
todos os dias, para os outros ou – principalmente – para nós mesmos. Mentimos
em voz alta ou no silêncio de nossos ensimesmares. Mentimos no anseio de
amenizar o peso da realidade que, via de regra, pesa demais em diversos
aspectos. Nos aspectos em que a realidade não pesa, usufruímos da verdade
redentora que advém de sua aceitação. Mas sempre que pesa, mentimos. Mentimos,
na maioria das vezes, pequenas mentirinhas inócuas que não ferem ninguém e nos
auxiliam a conduzir nossas vidas de maneira mais indolor. Mentir mentirinhas é
humano, catártico, saudável, até.
Respondemos
mecanicamente que “sim” sempre que nos perguntam se tudo vai bem. Nem sempre
vai bem tudo, mas quase sempre vai bem a resposta (mentirinha) de que “sim”. A
mais frequente mentira entre os casais, por exemplo, se dá nos momentos de
introspecção. Você percebe sua parceira pensativa, há vários minutos
silenciosa, aparafusada no sofá da sala, o olhar fitando o vazio, a revista
aberta repousada no colo sem ter página virada há muito tempo, e você faz a
pergunta: “em que está pensando, amor?”. Ao que ela, de imediato, responde: “Em
nada”.
Pois,
mentira. Ela está pensando é em tudo. Em tudo e em mais um pouco, e esse tudo
inclui necessariamente você, seus atos, suas desatenções, suas
insensibilidades, suas ausências, suas descortesias. Ela mente para não escancarar
o peso da verdade. Ela pensa em tudo, mas diz ser em nada, obrigando-o, assim,
a também refletir sobre as verdades de sua própria existência. Tem sido assim
desde que Ug retornou à caverna ao pé do vulcão de mãos abanando, culpando-se
por não ter caçado o mastodonte, e sentiu o peso do silêncio reprovador de Aga.
“Tudo bem, amor?”, inquiriu Ug. “Claro”, disse Aga. Claro que não estava tudo
bem, conforme Ug perceberia dali a pouco, gerando um padrão para a humanidade.
Ao
chegar ao final deste texto, leitor, eu lhe pergunto: “Em que esta crônica o
fez pensar?”. “Em nada, não”, você me dirá, dando a resposta correta, pois nela
reside a verdade de nossas mentirinhas.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 28 de dezembro de 2012)