Não
é que eu seja ruim. Não. Ruim, ruim, não sou. Também não sou lá uma flor de
pessoa, não tenho carteirinha de santo imaculado, desconhecedor de pecado.
Pecadito todo mundo tem, nem que seja varrer farelo de pão pra debaixo do
tapete quando bate aquela preguiça de faxinar a casa toda. Tenho lá meus
defeitos, minhas erradas, minhas bolas na trave, como de resto todas as gentes
normais que conheço.
Procuro
fazer de mim o melhor que posso, até que me esforço, mas reconheço que sou
humano, e ser humano, sabe como é. Mas também, péra lá um pouquinho, pra ruim é
que não sirvo. Só que não tem quem me tire da cabeça que o que estou fazendo,
nesse caso, é pura ruindade. Só pode ser. Não tem outra explicação e não
encontro melhor palavra que se aplique. Ruindade. Das brabas.
E
pior de tudo é que me convenço mais e mais disso a cada dia que passa, e olha
que já se empilham anos nisso. A sensação de que tem ruindade na coisa fala
mais alto especialmente de noite, em casa, quando mais um dia vai chegando pros
finalmentes. É ruindade, sim. Pior é que é.
Tenho
pena. Tenho, sim, porque, no fundo, não consigo ver-me como sendo tão ruim
assim, tão capaz de cometer essa barbaridade que há tanto tempo protagonizo
contra essa criatura que me observa calada ali do canto da sala, apequenada
diante da afronta que é feita à sua essência aqui dentro da minha morada. Porque
não tem no mundo ruindade maior do que essa de manter calado há anos, dentro da
sala, um violão que foi fabricado para tocar e que aqui, em minha posse,
analfabeto musical absoluto que sou, não toca coisa nenhuma, nem nunca tocou.
Nunca,
nunquinha na vida desse violão saiu dele o entoar de uma canção qualquer. Suas
seis cordas jamais foram tangidas por dedos musicais que delas extraíssem a
beleza da arte sonora para a qual foram destinadas em sua concepção. Isso de
possuir em casa um instrumento musical e mantê-lo calado por inépcia e por
falta de talento, condenando-o a um eterno mutismo forçado, se configura em
tortura de fazer inveja aos carrascos de nossas nada saudosas ditaduras.
Pratico
contra meu violão a pior das censuras. Decreto contra ele um famigerado AIM-7 (Ato
Irracional Musical) em que a nenhuma das sete notas musicais é permitido
manifestar-se. Casso dele seus direitos à livre expressão do Belo que sei que
acalenta em suas entranhas de cordas caladas.
Gente,
do céu, mas que ruindade!
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 27 de março de 2014)
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