Não era Natal, não era meu
aniversário, tampouco Páscoa ou Dia das Crianças. A surpresa, portanto, foi
muito intensa quando meu avô paterno chegou lá em casa para o tradicional
chimarrão de sábado à tarde me trazendo dois pacotes de presente. Eu tinha 13
anos de idade e, junto com os embrulhos, recebia também uma importante lição,
pois o que meu avô estava fazendo era o cumprimento de uma promessa.
Rasguei os papéis de presente e
saltaram aos meus olhos o refinadíssimo estojo contendo 32 peças torneadas em
madeira e com as bases de feltro vermelho, acompanhado pelo elegante tabuleiro.
Tudo de primeira linha. Um jogo de xadrez completo, lindo, e meu. “Prometi que
te daria quando tu me vencesses pela primeira vez no xadrez”, explicou meu avô.
Eu não me lembrava da promessa dele, uma vez que a fizera “em passant” em uma
remota tarde, um ano antes, quando se dispusera a sentar comigo e me explicar
as regras básicas do jogo que, desde então, passou a me fascinar.
As aulas de xadrez haviam sido
transformadas em ritual entre neto e avô. Todas as terças-feiras de tardinha eu
saía de casa com minha irmã a tiracolo e cruzávamos a pé as seis quadras que
nos separavam da residência dos avós. Lá, ganhávamos janta e, depois, meu avô e
eu subíamos as escadas até seu escritório, onde o tabuleiro já armado nos
aguardava. Minha irmã, nesse ínterim, ficava lá embaixo, na sala, jogando
moinho com minha avó. Disputávamos uma partida de xadrez (que eu
invariavelmente perdia, pois o propósito era aprender com os erros) e depois
uma de damas, “para relaxar”, conforme ele dizia.
Certa noite, dei-lhe um
xeque-mate. Quando fiz o movimento ameaçando seu rei e falei a frase, ele
retesou o corpo na cadeira, empertigou-se, colocou a mão no queixo, analisou a
situação em silêncio e, por fim, derrubou com um toque o próprio rei, dando-se
elegantemente por vencido. Parabenizou-me, desceu as escadas relatando o meu feito,
satisfeito. Duas semanas depois, veio o presente, que guardo até hoje como
símbolo de que promessas devem ser cumpridas.
Sorte a do norueguês Magnus
Carlsen, o supercampeão mundial que está em Caxias como convidado do Torneio
Aberto Internacional de Xadrez da Festa da Uva, que eu não segui carreira nos
tabuleiros enxadrezados. Optei por ir dando xeque-mates na vida mesmo.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 6 de março de 2014)
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