Há
alguns dias comecei a ter um vislumbre que talvez possa me ajudar a solucionar
uma das questões mais fundamentais que atazanam a vida de qualquer ser humano
desde que, séculos atrás, um filósofo francês que não descartava nada inventou
de dizer que o ato de pensar denunciava o fato de estar existindo. Estou a um
passo de descobrir quem sou eu, e a pista me foi dada pelo meu afilhado de
quase dois anos de idade.
Conforme
a perspectiva dele, eu sou “Quem É?”. Simples e solucionado. Isso é o que sou.
De tanto os adultos que o cercam apontarem para mim incentivando-o a me
identificar como o “Dindo”, segurando-o pertinho e inquirindo “quem é esse aí”,
João Vitor optou por enveredar por um caminho mais filosófico na hora de
satisfazer a esperança familiar de reconhecimento dos indivíduos da família.
Ora,
se ao apontarem para mim as pessoas lhe dizem “quem é?”, então, pela lógica,
“Quem É?” é quem sou. Ele não entende a frase como uma pergunta sobre minha
identidade, mas, sim, como uma afirmação positiva sobre minha identidade. Semana
passada, ao receber em casa sua visita, abri a porta e ele correu aos meus
braços, me deu um beijo estralado na face e tascou: “Quem É?”. Bom... “Quem É?”
sou eu...
O
mesmo se dá com os integrantes do numeroso bando de bichinhos de pelúcia que se
acotovelam no alto da estante de seu quarto. Quando “Quem É?” pega João Vitor
no colo e o leva para escolher um os bichos, ele aponta para o eleito da vez e
diz “Qual?”. Ou seja, todos os bichos, e qualquer bicho, são “Qual?”, uma vez
que nós, adultos (bando de “Quem És?”), ao tentarmos descobrir qual dos
brinquedos ele deseja, insistimos em perguntar “qual?”, apontando para todos. Se
eu sou “Quem É?” e cada bicho da estante é “Qual?”, então João Vitor, na
sapiência ingênua de seus quase dois anos, está a nos propor (a mim e aos
bichos de pelúcia de sua estante) uma reflexão sobre os mais profundos e
refinados questionamentos a respeito do ser.
Pois
é, João Vitor, não sei exatamente quem sou. Sou várias coisas ao mesmo tempo:
umas coisas mais, outras menos. Certas coisas, fui deixando de ser com o andar
dos anos e com o descarrilar das certezas. Outras coisas, passei de repente a
ser, para minha própria surpresa. Já em relação ao “Qual?”, bem... de minha
parte, se você concordar, preferiria hoje içar da estante o cachorrinho azul de
gravata marrom e orelhas compridas. Mas, claro, você é quem sabe...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 21 de março de 2014)
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