Sou
adepto da teoria de que não existe tragédia não anunciada. Não existe mal
súbito. Existe, sim, nosso eventual desconhecimento ou ignorância dos fatores
que desde há muito estavam ali, na camufla, gestando a futura tragédia. Bastava
termos tido competência ou vontade para reconhecer ou detectar esses sinais que
poderíamos, sim, evitar a consumação da maioria das tragédias (exceto, claro,
aquelas derivadas da vontade repentina de uma força indomável superior, que bem
o digam os habitantes de Sodoma e Gomorra e os que defendiam as muralhas de
Jericó).
Mas
nem sempre o fazemos. Muitas vezes somos assolados pela nossa proverbial
inércia, pela nossa preguiça, pela nossa tendência ancestral de deixarmos tudo como
está para ver o que acontece, embasada na teoria (equivocada) de que “pior do
que está não fica”, para só então, depois de consumada a catástrofe, nos darmos
por conta de que podia ficar pior, sim, e como! Os reflexos dessa postura leviana
frente ao andamento da vida estão por todas as partes.
Comecemos
pela louça suja do café da manhã, por exemplo. Aquele pequeno e aparentemente
inofensivo montículo composto por um par de xícaras (em se tratando de apenas
um casal), um par de pratos, duas colheres, duas facas e o canivete todo melado
usado para abrir a porcaria do pote de geleia que não tinha jeito de
desrosquear por bem, poderiam, perfeitamente, permanecer ali na pia esperando
por hora mais propícia ao banho. Só que, em agindo assim, não vai demorar muito
para esse montinho se avolumar com o passar das refeições e o acumular da
sujança, até se transformar em uma assustadora montanha de gordura incrustada
que passa a avançar da pia rumo ao fogão e faz todos desejarem fugir de casa.
Assim
se dá com aquelas doenças oriundas do descuido direto para com nossa saúde, para
com nossa alimentação, para com nossos hábitos, para com nossa assepsia. Assim
se dá com as tragédias do trânsito e as da violência urbana. Assim se dá com a
catástrofe financeira de empresas e com a incapacidade gerencial de um
município, de um estado, de um país. Todas elas tragédias perfeitamente
anunciadas a partir de uma série de avisos, e evitáveis a partir da adoção de
posturas lúcidas e proativas.
Mas,
sempre que a opção for permanecer afundado no sofá assistindo à tevê ao invés
de lavar logo a louça, a consequência será exatamente aquela que a queda da
colherinha de cima do topo da pilha está anunciando. Só não entende o recado
quem não quer.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 26 de março de 2014)
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