sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Metáfora indigesta


Ando brincando com fogo. Semana passada, mexi aqui nesta coluna com o teor do poema “Vou-me embora pra Pasárgada”, de Manuel Bandeira, e ressuscitei a ira de um grupo de senhoras que costumeiramente me lê com chá e bolachinhas nas tardes de sextas-feiras. Elas já se manifestaram outras vezes, e voltaram a me enviar raivosa carta pelo correio. Elas não disparam e-mails, elas enviam cartas pelo correio, seladas e coladas com goma arábica. Quer conhecê-las? Faça campana no Correio, elas são as únicas que ainda utilizam esse método, especialmente quando desejam expressar sua ira contra mim, com o que já estou me habituando, mas permaneço sempre alerta, que o desavisado morreu na véspera.
“Não vamos longe com você, mocinho”, soube que já me andaram ambiguamente ameaçando, após lerem algumas das diatribes que às vezes publico por aqui.
Na cartinha que me endereçaram, elas vociferam contra a ousadia que tive em esculhambar (elas usam, sim, esse termo, porque julgam que eu não mereço menos) com o poema, acusando-me de não perceber que a obra do Poeta encerra uma metáfora evocativa de um idílio redentor, de um refúgio imaginário estruturado em sonhos para contrabalançar o peso da existência no mundo real. E finalizam, trocando em miúdos, acusando-me de ser muito burro. Depois, me convidam para aparecer num chá com torradinhas em uma sexta-feira qualquer, para que possam externar suas discordâncias em relação a mim de corpo presente.
Provo a elas que, pelo menos, burro não sou, porque eu é que lá não vou. Mas, se eu decidisse ir, explicaria a elas que, sim, sempre compreendi a metáfora residente nos versos do poema famoso do renomado Poeta, e elas é que deveriam fazer um esforço de boa vontade e detectar e compreender que também minha crônica abrigava uma metáfora, ao metaforicamente destruir o paraíso imaginado por Bandeira e reduzi-lo ao cotidiano real em que vivemos. Só que não vou, não; temo que elas cansem de morder as torradinhas e decidam morder a mim, na hora do “deixemos as metáforas de lado e vamos ver o que é bom para a tosse, garoto”.
Pior é que, depois dessa, não posso sequer me refugiar em Pasárgada...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 17/12/2010)

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