Cientistas afirmaram recentemente
que os seres vivos mais importantes do planeta são as abelhas. Estou chocado!
Achava que era eu! E mais: os pesquisadores envolvidos na questão são
internacionais (o que lhes confere credibilidade a nossos olhos nacionais) e
chegaram à desconcertante conclusão após exaustivos estudos (o fato de terem
sido exaustivos amplifica ainda mais o espectro da credibilidade envolvida). Ou
seja, fica claro a todos aqueles que não são abelhas que não se trata aqui de
“achismo” ou de alguma leviana e precipitada suposição. Nada disso. A coisa é
séria. É científica. É real. E terei de me conformar: aos olhos da Natureza e
do planeta todo, eu, este abnegado cronista de segunda, valho menos do que uma
abelha!
É isso: sou mais irrelevante do
que o insetinho amarelo para o equilíbrio do ambiente natural, para a
manutenção da afinação da orquestra da vida. Que coisa! Em uma situação
hipotética, a verdade é que, se a Natureza for obrigada a decidir entre eu e as
abelhas, ela não hesitará em bater o martelo em favor dos bichinhos. Bom, mas
se for pensar a fundo, meu espanto e minha decepção para comigo mesmo (em
perspectiva das abelhas) não se justificam, exceto quando sob a luz do
exercício contumaz da soberba, da vaidade e do narcisismo. Afinal, de onde tirei
que a escala de valores haveria de ser diferente? Onde fui buscar tamanha
convicção? Em que indícios embasei a certeza de minha autoproclamada relevância
superior? Ah, madama, no pó... Na poeira das vaidades, só pode ser.
Mas, analisando bem, fica claro
que eu não teria mesmo capacidade alguma de seduzir e encantar nenhum exaustivo
cientista internacional envolvido na pesquisa, uma vez que, diferentemente das
abelhas, eu não voo, não tenho a habilidade de produzir mel, não dou ferroadas
(fora as simbólicas), não habito colmeias, não polinizo ninguém e não obedeço a
uma rainha (aqui, poderia arriscar ceder à tentação de tecer uma metáfora
evocando a dedicação direcionada à senhora minha esposa, mas incorreria na
possibilidade de soar forçado, o que comprometeria ainda mais minha já abalada
moral e o ferrão sairia pela culatra). Vejo-me, pois, desprovido dos atributos
que conduziram as abelhas naturalmente ao patamar de seres mais relevantes na
escala da vida, melando por completo as pretensões de importância que até então
eu acalentava sobre mim mesmo, restando ao meu ego recolher-se à sua operária
insignificância. E não ficar zangão com isso. Cada macaco no seu galho, e
aceitar o seu lugar no mundo é um aprendizado vital. Por sinal, acabou o mel...
(Crônica de Marcos Fernando Kirst publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 24 de junho de 2019)