Você é um cronista mundano. Ocupa
um espaço fixo no periódico impresso de maior circulação e representatividade
da região em que habita e, portanto, tem responsabilidades crônicas periódicas.
Escreve nas segundas-feiras, pegando os leitores (em especial as madamas e os
cavalheiros, generosos seguidores de seus escritos) com os pés e os espíritos prontos
para enfrentar uma nova semana. Mesmo que ciente de suas incumbências, não tem
como negar a realidade que sobre si se impõe, clara e saliente: você é um
cronista de segunda. Precisa estar à altura da missão, e se esforça semanalmente
para dar conta do recado. Para tanto, sabe que tem de estar sempre alerta, e
está.
À noite, no meio da semana (uma
noite qualquer de uma semana qualquer), você leva a esposa para jantar em um
restaurante que não seja qualquer (pois, apesar de ser de segunda o cronista,
seu estômago faz exigências de primeira). Lá pelas tantas, saciada a fome e
entrando o ritual naquela fase modorrenta em que se cruzam os talheres e
passa-se a pensar na sobremesa (uma tigela de sagu gelado, como reza a tradição
dos gostos controversos dos que adotaram esta terra para viver e foram por ela
adotados), você ergue a cabeça e conduz os olhos em um giro panorâmico pelo
ambiente. É quando você depara com as presenças de dois outros casais sentados
às mesas próximas. Cronista que é, você se põe a observar, pois que a
observação é o substrato vital para o ofício de qualquer escriba, dos de
primeira aos de quinta, incluindo os de segunda, terça, sábado e afins.
Um dos casais (dois jovens) fala
alto, animadamente, atropelando narrativas e ecoando gargalhadas. O outro, já
na meia-idade, janta envolto em um manto de silêncio a pautar gestos morosos e
olhares baços. Ah, que prato feito para as elucubrações de um perfeito mundano
cronista! Lá vai ele, ao chegar em casa, sentar-se às teclas e discorrer sobre
as obviedades da comunicação corporal, classificando o jovem casal conversador
como exemplo de convívio sadio e amoroso, enquanto que à dupla madura imputará
a pressão do desgaste da relação, que obviamente beira ao fracasso. Nada mais
equivocado! Mal saberá o cronista de segunda que, dois meses depois, os jovens faladores
já estarão brigados, enquanto que os maduros silentes seguirão unidos
placidamente por anos a fio, até a separação imposta pela morte. As aparências são
as armadilhas enganosas que engolfam impiedosamente o mundanismo apressado de
qualquer um, cronista ou não-cronista, de primeira ou de segunda. A chave,
madama minha, está em não julgar. Boa segunda!
(Crônica de Marcos Fernando Kirst publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 29 de abril de 2019)