sexta-feira, 25 de maio de 2012

Será apenas rock and roll?


A banda britânica de rock and roll Rolling Stones celebra hoje, 25 de maio, 50 anos de carreira. Profissionalizada, transformada em empresa competentemente administrada, vem singrando com determinação durante cinco longas décadas a turbulência inerente ao cenário das celebridades internacionais com tudo o que o pacote prevê: dos mergulhos ao fundo do poço das drogas aos píncaros da fama. Na contramão do que ocorreu com os Beatles (que ensinaram o que não fazer no que tange à mistura de elementos da carreira com os da vida pessoal), os Stones conseguem se manter na ativa superando em muito as expectativas de longevidade da banda que seus próprios integrantes imaginavam quando a formaram, meio século atrás. Penso haver lições a serem analisadas nesse processo todo.
Uma delas, e talvez a principal, é justamente a lição que aponta para a capacidade de se reformatar à medida que o tempo vai passando, porque, como sabemos, a passagem do tempo acarreta transformações, seja no íntimo das pessoas, seja no cenário externo, seja no perfil de qualquer espécie de grupo, inclusive bandas de música. Tudo se transforma, e analisar-se no meio dessas transformações, transformando-se também, é o que nos ensinou Shakespeare quando pioneiramente levava no palco personagens que refletiam sobre si mesmos e a partir disso se reformulavam. Os Stones vêm fazendo isso e é por essa razão que permanecem aí, nos palcos do planeta, enrugados na pele mas suficientemente rejuvenescidos na alma.
Há anos que professo a convicção de que o rock and roll representa uma parcela muito significativa de responsabilidade pela mudança do conceito de juventude e velhice que vigora atualmente na sociedade ocidental. Naquele distante 25 de maio de 1962, quando Mick Jagger e Keith Richards se reuniram a Brian Jones, fundando a futura banda de rock mais longeva do planeta, nenhum daqueles pirralhos de vinte anos de idade acreditava que estariam fazendo música aos 40, uma vez que, naquela época, a velhice começava muito cedo. Como posso me imaginar velho aos 70 anos, se hoje vejo homens de 70 subirem aos palcos fazendo rock and roll? Parabéns a vocês e grato pela plena satisfação que nos têm proporcionado.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 25 de maio de 2012)

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Além dos 140 caracteres


Fui alçado à categoria oficial de tio na última segunda-feira, dia 14, com a chegada de João Vitor, primogênito da irmã de minha esposa. A julgar pelo ritmo acelerado de desenvolvimento das crianças neste século 21, creio que não demorará mais do que alguns meses para que João Vitor esteja me chamando de tio. Será o máximo, especialmente porque ele se transformará na primeira pessoa do mundo que atribuirá a mim tal alcunha sem que nela esteja implícita uma metáfora para “e aí, seu velhinho?”, que é como a coisa me soa quando crianças e jovens se referem assim a mim pelas quebradas da existência desde que as cãs passaram a adornar o cimo de minhas orelhas há alguns pares de anos.
João Vitor, bem como seus companheiros de viagem Júlia, Théo e Alice, que desembarcaram na maternidade do Hospital Saúde vindos no mesmo voo de cegonha naquela manhã, já nasce plugado na internet. Com pouco mais de 24 horas de vida, já estava com sua foto (junto aos pais orgulhosos, felizes e acabados) postada no blog da maternidade e recebia as primeiras mensagens de boas-vindas com 140 caracteres via e-mail, de parentes e amigos cujas existências ele sequer desconfia. Um twitteiro nato, esse meu sobrinho. Nem sabe falar e já há coisas que terei de pedir para que ele me ensine, uma vez que o velho tio aqui demorou mais de 30 anos para receber e despachar seus primeiros e-mails.
Quando tiver a minha idade e assumir a sua vez no revezamento do encantar-se com a chegada das novas gerações na família, e se eu ainda estiver ocupando o lugar que me cabe ao sol, João Vitor contará com um tio ancião de 90 anos de idade. Não sei se nesse futuro distante (2057) ainda estaremos navegando em internet da maneira como hoje concebemos essa forma de comunicação, mas tenho certeza de que o maravilhamento com o inexplicável milagre da vida seguirá inabalado. Nem os meteorologistas são capazes de prever com exatidão se o João Vitor adulto viverá em uma sociedade que ainda manipulará livros físicos e se o sertanejo universitário ainda emplacará sucessos no rádio (“rádio, tio?”). O certo é que, desde que o mundo é mundo, existem coisas que não se reduzem e nem se explicam em 140 caracteres, e a mágica da geração da vida é uma delas. 
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 18 de maio de 2012)

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Me dá um dinheiro aí


Informações publicadas no jornal Pioneiro na última quarta-feira, a respeito do descompasso abissal existente entre as visões de consumidores e lojistas caxienses quanto ao fator que mais importa para efetuar uma compra/venda, me deixaram pasmo. Uma pesquisa realizada pela Câmara de Dirigentes Lojistas de Caxias do Sul (CDL) junto a consumidores e lojistas detectou uma dessintonia tão assustadora quanto reveladora a pautar as relações entre clientes e comerciantes na cidade. O quesito “bom atendimento” foi apontado como fundamental por 49,4% dos clientes ouvidos pela pesquisa. Mas apenas 10,7% dos estabelecimentos consultados indicam esse item como importante para o incremento das vendas.
Taí então. Tá tudo explicado. Esse é o pensamento vigente entre a acachapante maioria dos donos de lojas existentes em Caxias do Sul. E se o dono julga que atender bem o cliente é algo desimportante para garantir suas vendas e seus adorados lucros, por que diabos haveriam seus funcionários de pensar diferente? Para que gastar saliva e energia dando “bom dia” e dizendo “obrigado” com um sorriso nos lábios na hora do pagamento, no caixa? Para que sair andando de lá do fundo da loja e receber o cliente que entra e fica zanzando perdido entre as prateleiras? Para que tanto esforço, se o que conta mesmo, na visão subdesenvolvida e autofágica do setor, o que importa é a beleza das vitrines (como indica a pesquisa) aliada à qualidade dos produtos e à facilidade nas formas de pagamento?
Agora está claro. É a pesquisa quem revela: cliente, para a maioria dos nossos lojistas, é coisa. É objeto utilitário. Serve para entrar na loja feito caçamba e despejar dinheiro no caixa. E que saia rápido, desocupe o espaço, para que entre outra caçamba. Assustador e esclarecedor. Agora sabemos com quem estamos lidando, fora as raras exceções.
Eu, de minha parte, enquanto consumidor, sou um fidelizador dessas exceções. Coloco no caderninho os estabelecimentos, as instituições e os fornecedores de serviços que me tratam mal e nunca mais volto (e ainda falo mal deles para todas as pessoas de minhas relações). Confesso que minha lista de fidelizações anda bem curta em Caxias do Sul, ultimamente.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 11 de maio de 2012)

sexta-feira, 4 de maio de 2012

O dedo-duro


Realmente, estou começando a ficar démodé. Démodé, é bom explicar, é um termo que se usa para designar coisas que estão fora de moda, arcaicas, assim como o uso de expressões tipo “démodé” e “arcaicas”. A gente vai se tornando démodé não só pelo passar dos anos, que vão estalando laçaços cada vez mais fortes nas nossas costas, mas especialmente por não conseguir mais acompanhar com a mesma destreza de outrora (biip... detector de termo démodé em ação) a absorção de novos babados (biip) comportamentais.
Percebo isso no gestual. Em tempos passados, era muito maneiro (biip) fazer gestos como “positivo” (punho fechado, polegar para cima, balançando um pouquinho), “paz e amor” (mão fechada, dedos indicador e médio rijos e ao alto, separados, em forma de “V”) ou “ok” (dedos indicador e polegar unidos pelas pontas fazendo um círculo, com o resto da dedaiada lá atrás aberta em leque de pavão) para comunicar de longe que tudo estava bem, obrigado (uma perigosa inclinação de ângulo do sinal de “ok” deturpa tudo e passa a indicar exatamente o contrário, como bem sabe quem já o usou contra algum desafeto, sendo aconselhável, após o uso, esquecer os dedos e colocar as pernas para correr).
Hoje em dia, esses gestos todos estão meio esquecidos, relegados (biip) ao passado, abrindo caminho para o surgimento de símbolos criados pelas novas gerações, aos quais sofro para me adaptar. Não consigo, por exemplo, de forma alguma, produzir aquele coraçãozinho que se faz hoje em dia com as duas mãos unidas em forma de concha - os polegares se tocando embaixo - para demonstrar carinho por alguém. Tento, tento, mas o máximo que consigo produzir embaralhando os punhos é o formato de meu fígado ou, quando muito, o baço. Tentei fazer esse sinal manual noite dessas, quando minha esposa chegou do trabalho, e ela largou-se no sofá, acometida por um acesso de riso.
Dia seguinte, passei parte da tarde treinando o gesto. Quando fui testar exibindo-o ao gato, ele correu eriçado e passou horas escondido embaixo do mesmo sofá. Não adianta, não consigo evoluir do simples e singelo “paz e amor”. Aquilo, sim, é do balacobaco (biiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiip)...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 4 de maio de 2012)