Precisamos refletir sobre a questão
da esperteza. Esse tipo de esperteza que, ao trazer agregada uma falsa sensação
de superioridade, acaba descambando para a simples safadeza irresponsável e
inconsequente. O problema do espírito coletivo brasileiro é essa tendência que cultivamos,
ao longo dos séculos, de nos acharmos mais espertos do que tudo e do que todos.
Está entranhada em nossa cultura (“cultura”?) essa vocação para burlar as
regras que são estabelecidas justamente para regulamentar o convívio civilizado
em sociedade. As regras, pensamos nós, são para os outros, os bananas. Nós, que
espertinhos somos, não precisamos segui-las. E daí, né, dá no que dá.
Nós nos achamos mais espertos do
que as leis de trânsito, e por isso julgamos normal desrespeitar limites de
velocidade, faixas de segurança, restrições ao estacionamento, semáforos etc.
Nossa esperteza, claro, gera um trânsito caótico e assassino. A multa, criada
para coibir e punir o transgressor, é deturpada como indústria arrecadatória,
como se não bastasse obedecer às regras de trânsito para escapar da dita
conspiração que, obviamente, não existe. O que existe, sim, é a esperteza geral
de quem dirige como um mamute pensando em ludibriar e dar na cara das lesmas ao
redor. Até dar de cara no poste da esquina.
Nós nos achamos mais espertos do
que as leis de fiscalização de construções (de barragens a centros de treinamento
de jovens atletas, por exemplo, sem falar nos museus e boates) e, assim, vamos
burlando exigências legais a preço de propina e leniência, contando com os
bafejos da sorte para que nada dê errado e, se der (e vai dar), possamos salvar
nossos couros depois das tragédias. Achamo-nos espertos e postamos porcarias
nas redes sociais agredindo, xingando, pré-julgando, mentindo e escancarando a
podridão que habita nossas almas, poluindo o mundo com ódio e falsidades. Somos
espertos, temos sempre algo inteligentíssimo a dizer, claro. E lá vai asneira
sobre asneira, erigindo Torres de Babel sobre areia movediça.
A consequência dessa nossa
esperteza toda está aí, nas manchetes dos jornais, em sucessões alucinantes de
tragédias que poderiam ser evitadas caso optássemos por sermos menos espertos e
mais cidadãos de verdade. Um país não se molda em espertezas. Molda-se é em
suor, trabalho, dedicação diária e regras de cidadania seguidas por todos, em
todos os níveis e em todas as esferas. Mas daí o caminho fica mais difícil e os
espertos precisam se dar bem logo. Ok, são opções. Só que a fatura um dia
aparece por debaixo da porta. Aguardemos as próximas manchetes.
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 25 de fevereiro de 2019)