sexta-feira, 30 de março de 2012

A loira leitora

Não era pose para as câmeras... ela lia mesmo!

Uma faceta pouco conhecida está vindo à tona e ganhando espaço neste ano em que se reverencia Marilyn Monroe em função da passagem dos 50 anos de sua morte, ocorrida em 5 de agosto de 1962, quando ela contava meros 36 anos de idade. A atriz e símbolo sexual que virou mito ainda em vida, eternizando a figura da musa loira provocante, ingênua, sensual e fatal, cultivava, na intimidade, um hábito que revoluciona a forma como se costuma posicionar sua personalidade no panteão das celebridades que a história jamais irá esquecer. Marilyn Monroe, para espanto de muitos (meu, inclusive), era uma leitora voraz, aspecto que obriga a lançar novas luzes sobre quem se debruça a esmiuçar sua biografia na tentativa de compreender melhor a figura que ela encarnava e as angústias que a assombravam.

A relação da atriz com os livros ficou mais clara a partir da publicação este ano da obra Fragmentos, uma compilação de cartas, poemas e anotações íntimas pinçadas de duas caixas que continham objetos pessoais de Marilyn, guardadas anos a fio pela esposa de Lee Strasberg, o cineasta norte-americano que figurou como um “mentor” artístico da carreira da estrela. A partir desses apontamentos, fica claro que as imagens de Marilyn Monroe lendo livros (entre eles, “A Morte do Caixeiro Viajante”, de Arthur Miller, e “Ulisses”, de James Joyce) flagram momentos íntimos reais, e não poses artificiais que até então municiavam seus detratores a afirmar que tais fotos registravam apenas Marilyn com um livro nas mãos, não necessariamente lendo-os.

O tempo é amigo da verdade e agora sabe-se que, sim, Marilyn não estava posando de intelectual. Ela estava, de fato, lendo. Até porque, para as câmeras, o que realmente lhe conferia projeção e proventos eram as fotos sensuais, desprovidas de elementos cênicos dispersivos como livros, poltronas, vestidos, roupas íntimas etc. De minha parte, me fascinam muito mais as fotografias da eterna blondie compenetrada, de livro aberto nas mãos, o olhar leitor desvendando novos mundos, do que as batidas imagens de calendário de borracharia.

Pois é, Marilyn Monroe lia livros. E você aí, hoje vai de pizza ou galeto e polenta?

(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 30 de março de 2012)

domingo, 25 de março de 2012

Contra o lugar-comum

Está bem, eu sei que vou escrever um lugar-comum, mas também sou filho de Deus e tenho o direito de exercer minha pobreza de espírito igual a qualquer outro. Lá vai ela: nada melhor do que o tempo para conferir o devido valor às coisas, especialmente no que tange ao reino das artes. Pronto, feito! Não há como o leitor discordar da essência da frase de efeito, daí o seu valor inalienável. Isto posto, vamos ao que interessa.

Evoco essa coisa da sapiência que reside na passagem do tempo para defender a necessidade de se olhar com menos preconceito e menos ansiedade as manifestações artísticas que surgem ao nosso redor. Há muita criatividade e genialidade escondidas por trás (na verdade, raramente escondidas e sim, via de regra, escancaradas, porém invisíveis para a miopia dos críticos) das criações artísticas que nos rodeiam, porém, o mar raso pelo qual navegam as gentes impedem que soltem-se as amarras que insistem em prender obras e artistas na areia movediça do anonimato e da falta de reconhecimento.

Que o diga o cinema, por exemplo. Hoje consolidado como a sétima arte, não há quem duvide do valor dos filmes enquanto expressões artísticas, sem fazer aqui juízo de valor sobre a qualidade de uma ou outra obra. O cinema, em si, é arte, e disso hoje em dia ninguém duvida. Mas não foi sempre assim. Erico Verissimo, na primeira viagem que fez aos Estados Unidos, em 1941, teve a oportunidade de conversar com vários atores, atrizes e cineastas (entre eles, Orson Welles), que lhe garantiam o fato de o cinema estar finalmente começando a ser visto naquele país como uma forma de arte válida, e não apenas uma brincadeira juvenil passageira. Demorou, mas o cinema desfruta hoje de seu merecido lugar entre as formas sublimes de expressão artística desenvolvidas pelo gênio criativo da humanidade.

As artes gráficas de narrativas sequenciais, ainda conhecidas como histórias em quadrinhos, abrigam há décadas gênios criativos nas áreas da ilustração e do roteiro que amargam o preconceito e o desconhecimento do grande público. Mas o tempo lhes haverá de redimir, vencendo, mais uma vez, o senso comum.

(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 23 de março de 2012)

terça-feira, 20 de março de 2012

O cultivo de um hábito crônico

Que o povo brasileiro em geral lê pouco, disso estamos calvos de saber. Mesmo assim, existe um aquecidíssimo mercado editorial que move boas cifras em nosso país, representado por incessantes lançamentos de novos títulos pelas editoras, que disputam espaço nas prateleiras das livrarias. É a essa pequena parcela de brasileiros que se dedicam à leitura que se destina grande parte dessas obras, porém, existem algumas peculiaridades que fazem o mercado editorial brasileiro ser digno de algumas análises. Por exemplo: o que lê, afinal, em geral, esse brasileiro leitor?

Para obter uma resposta definidora sobre a questão, a fim de darmos início ao esboço do perfil do brasileiro leitor, basta prestar atenção às listas de livros mais vendidos publicadas em vários órgãos da mídia impressa no país e também conversar com alguns livreiros. As listas de títulos mais procurados em feiras do livro também auxilia na conformação desse perfil que, curto e grosso, mostra o seguinte: o brasileiro que lê gosta de ler livros de auto-ajuda, livros com temáticas religiosas, biografias, obras de não-ficção (especialmente manuais sobre emagrecimento e outras atividades, dicas para todos os tipos de coisas, curiosidades etc) e coletâneas de crônicas.

Entre todos os gêneros citados, a crônica é o único que tradicionalmente costuma figurar entre as obras ditas literárias, à qual se unem o romance, o conto e a poesia. Assim sendo, o brasileiro, mesmo aquele que lê, segue consumindo pouca literatura, salvando-se com algum louvor o gênero crônica, especialmente aquelas edições que oferecem coletâneas de textos já publicados nos periódicos nos quais os autores colaboram, como revistas e jornais. Não é de se espantar, haja vista que a predileção dos brasileiros por esse gênero que, em sua origem, propõe ofertar ao leitor um híbrido entre o olhar jornalístico do cotidiano com algumas pitadas de literatura e poesia, já vem de muitas décadas. Não são poucos os estudiosos e literatos que ousam afirmar ser a crônica um gênero literário brasileiro por excelência, responsável pela formação de um verdadeiro panteão de nomes consagrados a partir do talento que dedicaram à consolidação desse tipo de obra.

Para citar apenas alguns nomes que engalanam o já citado panteão, podemos lembrar de autores como Machado de Assis, João do Rio, José de Alencar, Rubem Braga, Rachel de Queiroz, Sérgio Porto, Leon Eliachar, Fernando Sabino, Millôr Fernandes, Clarice Lispector, João Bergmann, Luis Fernando Verissimo, Moacyr Scliar, Carlos Heitor Cony, Martha Medeiros, David Coimbra, Cláudia Laitano, Fabrício Carpinejar, Jimmy Rodrigues e muitos outros. Todos valem a pena serem lidos, descobertos e redescobertos, tanto nas coletâneas lançadas em livros quanto acompanhando suas performances literárias nos jornais e revistas com os quais colaboram. Além do fruir de textos saborosos, a prática da leitura de crônicas pode servir de incentivo ao nascimento e cultivo do hábito de ler, essa atividade humana extraordinária que não pode de maneira alguma ser extinta, por se configurar como um dos mais divinos hábitos humanos.

(Texto publicado na seção "Planeta Livro" da revista Acontece Sul, edição de março de 2012)

segunda-feira, 19 de março de 2012

Faça força

A importância das pequenas coisas. O poder transformador (ou destruidor) dos mais ínfimos detalhes. Não é isso o que estamos sempre dizendo uns aos outros, e não é a respeito disso que nos alertam os próceres da autoajuda e das regras do bem-viver? O detalhe... aquele mísero nada que, a bem da verdade, pode representar o tudo e mais um pouco dele todo.

O cedilha, por exemplo. Aquele discreto e quase imperceptível tracinho que enfiamos sorrateiramente embaixo da letra “c” a fim de não só indicarmos a correta pronúncia do fonema, mas para, também e principalmente, com isso, alterarmos substancialmente o significado de uma palavra e, ipso facto, todo o conceito de uma ideia e/ou de uma frase. Sou um idólatra do cedilha devido a esse poder que ele sustenta latente, mesmo mantendo toda a fleuma e discrição (olha o cedilha aí, pela primeira vez nesse texto) que sua aparentemente insignificância visual esconde. Experimente prescindir do cedilha em uma palavra que exija o cê-cedilha e veja o que acontece.

Quer um exemplo?

Ei-lo:

Experimente botar-se a lavar a louça e esquecer do cedilha ao twittar para todos os seus seguidores a atividade à qual você está dedicado naquele momento. Não haverá 140 caracteres capazes de banir da mente mal-intencionada da galera a certeza de que você, desprovido de cedilha, estava passando por maus bocados em um antigo hospício alienista machadiano metido a dar banho em uma das internas. Lave, portanto, sua louça, sempre com cedilhas, para evitar compreensões errôneas.

Cuide, também, de preencher o vazio de sua existência com a resolução de caça-palavras devidamente adornados com o crucial cedilha, caso contrário, seu nome ficará conhecido na praca... quer dizer... na praça como aquela figura pouco asseada que se dedica a um estranho passatempo intitulado caca-palavra, seguramente composto pela busca frenética por termos de baixo calão.

Tenha, portanto, ciência da força dos pequenos detalhes. Se cometeres a imprudência de esquecer do cedilha na frase anterior, releia-a e veja só no que pode dar... (Aliás, releia o título desta crônica sem o dito-cujo...)

(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 16 de março de 2012)

sexta-feira, 9 de março de 2012

Respingos da Festa

Apesar dos aguaceiros que obrigaram os organizadores e reprogramar os desfiles no centro da cidade, a Festa da Uva deste ano caracterizou-se por oferecer ao público uma ampla e democrática programação, permitindo que cada um particularizasse sua forma de apreciar o evento. Eu, por exemplo, já no primeiro dia, acessei os pavilhões empunhando um guarda-chuva recém-adquirido em um hipermercado da cidade, daqueles com botão automático, que desfrumbalizou-se (nem vá ao dicionário) por completo ao sucumbir a uma rajada de vento logo após a seção inicial Magia do Abraço. Era um indício do que estava por vir, em termos pluviométricos, naturalmente.
Nos pavilhões, após arremessar o ex-guarda-chuva para dentro da primeira lixeira que encontrei, decidi vivenciar a Festa de minha própria maneira, buscando aquilo que para mim, habitante desta cidade já há duas décadas, representasse o novo e o surpreendente. Foi assim eu me deliciei, na praça da alimentação, com um saboroso acarajé tipicamente baiano, seguido por tapioca, enquanto ao meu lado a turma se esbaldava em uvas, polentas fritas e brustoladas. E confesso que fiquei doido para dar uma voltinha em um daqueles trequinhos motorizados que a Brigada Militar utilizava para transporte individual de seus soldados nos Pavilhões e na Sinimbu durante os desfiles. Que coisa mais moderna!
No orquidário, realizei um sonho de infância ao levar para casa um exemplar de planta carnívora, que, de início, achei que fosse de mentirinha. Só passei a respeitar a planta depois de vê-la abocanhar (ou enfolhar) as dezenas de moscas, formigas e pequenas aranhas com as quais passei o final de semana presenteando-a. De madrugada, acordei escutando ruídos semelhantes a arrotos provenientes do quarto ao lado, onde ela repousava no potinho. Hoje o gato amanheceu sem um pedaço da orelha e estou desconfiado de que algo estranho ocorreu durante a noite, haja vista a bola de pelos que pende dos tentáculos da planta. Se aconteceu o que estou imaginando, terei de reclamar aos organizadores do evento...
Noves fora, acho que valeu, afinal, fazia tempo que não me empanturrava tanto de uvas dedos-de-dama como nesses dias de Festa. Xô, balança!
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 9 de março de 2012)

sexta-feira, 2 de março de 2012

O que nos traz a maré

Sou viciado em controle remoto, para desespero de minha esposa, que não consegue entender por que diabos pulo de canal justamente quando a Lilian Pacce está compartilhando aquela imprescindível dica de moda e eu záz! Sou, admito, insuportável. Meu pacote de tevê por assinatura oferece cerca de 40 canais e, via de regra, à noite, quando a família (eu, a esposa e o gato) se acomoda no sofá, ponho-me a administrar o controle remoto e tonteio todo mundo percorrendo para cima e para baixo a grade, ininterruptamente, sem me fixar em programa algum. Só o que se mexe é meu dedão na tecla do canal e os olhos de todos, piscando por reflexo a cada nova sintonizada. É exasperante (para eles, lógico).

Noite dessas, o imponderável aconteceu e estacionei em um canal bem no finalzinho da exibição do filme “Náufrago”, de Robert Zemeckis, lançado em 2000 e estrelado por Tom Hanks, uma ilha deserta e uma bola de vôlei chamada Wilson. Gosto desse filme. Assisti a ele no cinema em fevereiro de 2001 e escrevi aqui no Pioneiro, na época, uma crônica inspirada em um aspecto da trama que me chamou a atenção. Agora, revendo o final, escrevo outra, aproveitando que meu reflexo condicionado entre dedão e controle remoto me proporcionou uma pausa vital.

Todo o mundo assistiu ao filme “Náufrago” ou, no mínimo, nessa Era Google, sabe do que se trata: Tom Hanks sobrevive à queda de um avião em uma ilha deserta e, durante quatro anos de solidão e desespero em meio ao nada, consegue manter-se vivo a partir da reunião de forças que nem ele sabia possuir, a começar pela determinação e a esperança. Uma certa manhã, a maré traz à praia, inesperadamente, a vela de um barco naufragado, que lhe permite enfim vencer a rebentação com uma jangada manufaturada por ele mesmo, lançar-se ao alto-mar e finalmente ser resgatado. “Não dá para perder a esperança. É preciso sempre estar pronto para acordar para mais um dia, porque nunca se sabe qual a surpresa que a maré pode nos trazer amanhã”, é o que reflete, no final, o personagem.

Ótima lição, que vale para a vida de cada um. Até porque, poucas coisas seriam piores do que cair, de repente, em uma ilha deserta. E sem controle remoto!!!

(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 2 de março de 2012)