Ganância? Incompetência?
Leniência? Descaso? Imprevidência? Desprezo por tudo e por todos? Soberba?
Arrogância? Certeza de impunidade? Desconsideração para com a vida humana? Desconsideração
para com a natureza? Descompromisso com o presente e com a construção do
futuro? Falta de ética, de moral e de humanidade em todo o espectro alcançável
e imaginável? Egoísmo absoluto? Cegueira advinda de anos, décadas, séculos de
desumanização galopante? Ausência de empatia, de zelo, de prudência? Coisificação
do outro, da vida, dos seres e da existência? Altivez? Desamor? Cultivo diário
da postura do ódio? Maldade? Desvalorização pura e simples dos valores
universais que embasam a vida em sociedade? Desvirtuamento ególatra do sentido
da vida?
A resposta ao questionamento
geral apresentado no parágrafo de abertura desta enlutada e triste crônica de
segunda, ao deitar os olhos sobre um país que parece se esforçar cotidianamente
para ser de segunda, pode ser de múltipla escolha. Em se tratando do horror
advindo da tragédia ainda imensurável de Brumadinho, fica difícil não assinalar
todas as opções e ainda agregar a elas uma lista também interminável de
possíveis causas para definir em que âmbito classificar a origem da catástrofe.
O fato é que algo vai mal. O Brasil, conforme Brumadinho nos mostra com a
tragédia palpável da perda de centenas de vidas inocentes, moldou-se em um país
que chafurda na lama. Na lama física que tragou Brumadinho e nas lamas
metafóricas que tragam os brasileiros em todas as instâncias que envolvem suas
vidas, como que imersos em um oceano de areia movediça. É assustador.
Desesperador. Desolador.
A lama se transformou em
entidade presente e perniciosa no cotidiano dos brasileiros. E isso não é
natural. Não tem de ser assim. A política nacional chafurda na lama da
corrupção envolvendo integrantes de todas (é, todas!) as agremiações
partidárias, escancarando o fato de que ética é uma virtude pessoal, e não
programática. Os megaempresários chafurdam na lama da ganância e da impunidade.
Os cidadãos comuns chafurdam na lama dos ataques pessoais, da agressividade
gratuita nas redes sociais, dos xingamentos e achincalhes. A lama do jeitinho,
da fraude, da omissão, do ódio, da intolerância, da sonegação, da transgressão,
da imposição de direitos e da negligência dos deveres parece ser o ambiente
natural em que muitos brasileiros optam por viver. Brumadinho é o alerta palpável
da lama que paira sobre o espírito nacional. Somos um Titanic à deriva frente a
um iceberg de lama. E por opção pessoal de cada um. Todos somos responsáveis
por Brumadinho.
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 28 de janeiro de 2019)