segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Subliteratura onde?


Ainda hoje é possível ouvir, em certos círculos literários, frases preconceituosas que insistem em classificar o gênero policial como “subliteratura”, seja lá como for que compreendam o termo. Na verdade, quem profere a sentença está apenas tentando desqualificar todo um universo de obras reunidas sob uma temática comum, reduzindo-as todas à baixa qualidade encontrada em algumas delas. Ora, má literatura é praticada despudoradamente em todos os gêneros literários, da poesia ao romance, e nem por isso os demais gêneros sofrem ataque reducionista e delimitante de forma tão sistemática.
Nomes consagrados pelas eras já transitaram pelo estilo, a começar por Edgar Allan Poe, a quem, inclusive, atribui-se a criação do gênero em literatura, tendo instituído seus pilares fundamentais. Arthur Conan Doyle, Agatha Christie, Luis Fernando Verissimo e mesmo Umberto Eco, Jorge Luis Borges e Adolfo Bioy Casares são nomes que necessariamente são salpicados pela visão preconceituosa sempre que ela é evocada, uma vez que todos esses deixaram suas assinaturas pelo gênero, eventual ou sistematicamente. Perigoso, pois, apostar nas generalizações.
E por que, afinal de contas, as sessões de apedrejamento são invariavelmente direcionadas tão somente ao gênero policial, livrando do estigma tantos outros que bem poderiam se credenciar como alvos para o mesmo preconceito? Ora, se vamos ser preconceituosos, que o sejamos de fato, empregando no processo toda a carga de insustentabilidade racional e lógica que a adoção de um preconceito requer. Sejamos democraticamente preconceituosos, portanto. Dentro do cesto da tal “subliteratura”, não deixemos sozinho o gênero policial, e sejamos generosos, acomodando ali, por que não, também a ficção-científica (e abram espaço para H.G. Wells, Jules Verne, George Orwell e Aldous Huxley, uma vez que Adolfo Bioy Casares e Edgar Allan Poe já estão lá, mas também neste gênero – ou subgênero, como queiram – se habilitariam) e os romances de aventuras (e acolham Johnathan Swift, Miguel de Cervantes, Robert Louis Stevenson) e os de horror (bem-vindos agora Bram Stoker, Mary Shelley, Guy de Maupassant...).
Subliteratura, minha gente, nada mais é do que literatura ruim, espécime abundante e pouco exigente, cujo habitat são as folhas impressas e editadas dentro do universo de todo e qualquer campo literário. O gênero policial não detém a primazia nem o privilégio absoluto de abrigá-la. Sugiro, para os mais contundentes, evitarem inclusive cair na tentação de levar a cabo a proposta de investigação que faço, sob pena de terem realmente de rever seus preconceitos. Aposto, se fosse possível concretizar tal aferição, que o percentual de livros ruins (subliteratura em essência, portanto) existentes dentro do gênero romance é infinitamente maior, em proporção, do que aquele que habita o gênero policial. O mesmo, aliás, poderia ser dito em relação à poesia. Se eu fosse você, não pagaria para ver.
(Texto publicado na seção "Planeta Livro", da revista Acontece, de Caxias do Sul, edição de fevereiro de 2011)

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