sábado, 16 de abril de 2011

O conforto aos seus pés


Um passeio de Ferrari por uma autoestrada europeia; uma banheira de hidromassagem com sais após um dia de trabalho árduo; uma lareira acesa em uma noite de inverno serrana; uma massagem nos pés após uma caminhada; uma espreguiçadeira à beira da piscina; uma cabine de primeira classe em um cruzeiro transatlântico; um camarote vip em um show de rock; uma cama fofa com travesseiros fofos e cobertores quentinhos em um quarto climatizado. Tudo isso são situações que, em comum, possuem o fato de evocarem a sensação idílica de conforto. Mas nada, nenhuma delas, é capaz de superar o conforto e o aconchego proporcionados por um par de chinelos velhos. Sabe aquele chinelo que sua consciência (ou sua esposa, ou seu marido, ou sua mãe) já faz anos que manda meter lixo afora, mas você não tem coragem de fazê-lo por uma questão de apego emocional inexplicável? Aquele par de chinelos que você está proibido, pelas regras não escritas do bom-senso, de calçar quando chegam visitas? Pois é exatamente deles que estamos falando. Eles dormem ali, quietinhos, no sapateiro, dando as boas-vindas aos novos pares de calçados que você vai adquirindo com o passar do tempo (rosnando imperceptivelmente sempre que chega um novo chinelo, é óbvio), mas estão sempre prontos para atender ao seu chamado a qualquer momento. E esses momentos, você percebe agora, são mais frequentes do que gostaria de admitir. Os chinelos velhos, que calçam seus pés como luvas, são como um animalzinho de estimação: você os coloca e eles te seguem fielmente para onde quer que você vá. Se virar abruptamente a cabeça para trás, será capaz de flagrar o rabinho imaginário deles abanando em seus calcanhares, em renovada alegria. Deveriam existir fábricas de chinelos velhos, assim como desconfio existirem fábricas de móveis antigos, para suprir essa demanda por um artigo causador de tamanho conforto. Mas nada se igualará a um genuíno chinelo velho moldado no uso cotidiano de seus pés ao longo de boa parte de sua existência. Artigo de luxo, ao alcance dos pés de qualquer vivente que tenha a sensibilidade necessária para detectar os pequenos momentos de felicidade que silenciosamente o cercam. (Crônica publicada no jornal Pioneiro em 15 de abril de 2011)

Um comentário:

Silvana disse...

Lindo, esse chinelo tá demais. Show!!! Diz tudo sobre a essência do texto e das coisas. Ah, parabéns pelo evento de Antônio Prado e por ser patrono da Feira de Nova Bassano

bjs