Deve-se julgar um livro pela capa? Até que ponto o invólucro gráfico utilizado para embalar e apresentar de forma atraente o produto livro ao consumidor tem influência no momento da decisão de adquirir a obra, levá-la para casa e começar a lê-la? A julgar pela importância que as editoras do mundo inteiro vêm dedicando à qualidade artística de toda a parafernália que acompanha e antecede o folhear da primeira página do texto propriamente dito, a resposta é sim, os leitores modernos são altamente influenciáveis pelos atrativos estéticos visuais que envolvem as obras literárias. Uma capa bonita, em uma edição com orelhas atraentes e contracapa apresentando excertos de críticas laudatórias ao livro publicadas em veículos de imprensa renomados são expedientes seguros para garantir uma boa performance do título nas prateleiras das livrarias.
O fenômeno não é motivo de espanto, especialmente para quem tem consciência de estar vivendo em uma era em que o poder do apelo superficial do visual é a tônica que rege os estímulos de consumo da opressora maioria da população humana espalhada pela superfície do planeta. Quando se trata de pesar na balança os elementos “forma” versus “conteúdo”, o primeiro, infelizmente, anda levando desmesurada vantagem, e não é de hoje. O escritor que simplesmente aposta todas as fichas no sucesso de sua obra pelo simples fato de acreditar ser dono de um bom texto e desempenhar com competência e criatividade a condução narrativa está fadado a sucumbir à realidade dos fatos ditados pelas (rasas) exigências do público moderno. Será pouco lido, quando não simplesmente ignorado pelas massas, para seu desespero e frustração.
Paralelamente a isso, registra-se no meio literário outro fenômeno que vem chamando a atenção dos especialistas em literatura e teoria literária, como a pesquisadora gaúcha Lígia Cademartori recentemente explanou em Caxias do Sul, quando veio participar do I Seminário Internacional de Língua, Literatura e Produtos Culturais, promovido pela Universidade de Caxias do Sul. Conforme a estudiosa, não basta mais apenas apostar no luxo da edição, bem como na ampla divulgação do livro em todos os meios de comunicação de massa para obter uma boa performance no meio literário nos dias de hoje. Para alcançar o reconhecimento e o sucesso, é preciso que o escritor também se transforme, ele mesmo, em um showman, com desenvoltura capaz de arrebanhar atenções e (consequentemente) leitores por meio de palestras, bate-papos, entrevistas, presença em eventos sociais e assim por diante. Nas palavras dela, é preciso fazer “um pacto com a mídia” para sair do anonimato e conseguir um lugar ao sol no disputadíssimo mercado editorial da atualidade.
Ou seja: apenas escrever bem já não basta mais. E também não significa que quem canta e rebola – e por isso mesmo obtém espaço – é detentor das mais altas qualidades literárias. Tudo depende de um encaixe perfeito entre as peças do jogo de mercado que, na maioria das vezes, é injusto para com os quesitos qualidade, arte, competência, conteúdo. Como em tudo, aliás.
De minha parte, continuo julgando um livro pela qualidade de seu texto. Sigo sendo seduzido pelas arrebatadoras frases iniciais de excelentes obras literárias, que me acompanham por toda a eternidade de minha existência enquanto ela durar. A edição em que li a abertura de “Cem Anos de Solidão”, de Gabriel García Márquez, é uma brochura horrorosa pertencente a uma coleçãozinha barata com uma capa cuja arte é repugnante. Guardo até hoje a edição ordinária, que resguarda em si o teor de um dos mais belos livros já escritos, iniciado com as seguintes palavras: “Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou a conhecer o gelo”.
Julgasse eu o livro pela capa, teria torcido o nariz para um diamante.
(Texto publicado na seção "Planeta Livro" da revista Acontece Sul, edição de dezembro de 2011)
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