sábado, 25 de junho de 2011

Eu estou acordado!

Eu falo “alô” de forma errada. Sei que existem maneiras e maneiras de se dizer “alô” ao atender o telefone, mas eu falo de forma errada. Preciso reeducar o meu “alô”. Talvez deva procurar aulas particulares para reaprender a dizer “alô” certinho. Deve existir professor particular de “alô” nesses tempos de admirável mundo novo, em que as mais inimagináveis profissões surgem a todo instante. Eu preciso de um personal-alô-teacher. E é para ontem.
Não sei exatamente onde é que eu erro ao dizer o meu “alô” quando atendo ao telefone de casa (o problema estranhamente não se manifesta quando atendo ao celular), mas o fato é que faço alguma coisa errada. Não é possível que pelo menos metade das pessoas que liguem lá em casa, após ouvirem o meu “alô”, imaginem que tenham acabado de me extrair do bom do sono. “Alô”, digo eu, e, uma vez em cada duas, o que escuto do lado de lá é “Te acordei?” ou “Desculpe por te acordar, mas...”. Como assim, me acordar?? O que os faz imaginar que eu esteja dormindo às nove e meia da noite num sábado, ou às quatro horas da tarde num dia de semana? Ainda não cheguei na idade da sesta, longe disso. E não sou mexicano.
É a moça da agência de viagens oferecendo um pacote irresistível, é o cunhado, é o outro cunhado, é a cunhada, é a sogra, é a minha mãe (até minha mãe!!), é o cliente, é o Senhor Engano... Todos julgam que fui picado pela mosca tsé-tsé, aquela que o Fantástico nos anos 70 nos dizia que inoculava a doença do sono.
O que explica o fenômeno? Só pode ser a forma como eu digo “alô”, não tem outra. Provavelmente eu dou um “alô” sonento, com a boca repleta de ar, que é como a fala sai quando nos botamos a bocejar no meio de uma frase. Preciso reconstruir o meu “alô” urgentemente, antes que minha imagem sofra arranhões. Não posso parecer estar ferrado no sono às quatro da tarde de uma quarta-feira. Preciso ser mais incisivo em meu “alô”, acrescentar vida a ele. Sustentar por mais tempo o “a” inicial pode vir a ser uma tática acertada. “Aaaaaalô”! Vou colocar em teste na próxima semana.
Afinal, imagem é tudo, hoje em dia. E, como todos sabemos, só quem fica dormindo na pista é Rubinho Barrichelo.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 24 de junho de 2011)

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Asas a quem pode



Aconteceu de novo dia desses, quando eu cruzava apressado a Praça Emancipação rumo a algum compromisso. Fazia tempo que não acontecia. Sequer lembrava da possibilidade de fatos dessa natureza ocorrerem. Não estava prevenido. Se fosse parar para pensar sobre o assunto – coisa que não fiz -, chegaria a imaginar que fatos assim não ocorressem mais, fossem coisa do passado, eventos característicos dos tempos da infância.
Porém, contrariando toda a minha crença nas leis das probabilidades, aconteceu novamente naquela tarde em plena Praça Emancipação, próximo à prefeitura. Plof! A região esquerda de minha cabeça (incluindo aí a orelha, a haste do óculos de sol e fiapos do cavanhaque) e meu ombro foram subitamente atingidos pela mira do pombo traiçoeiro e deselegante. A julgar pelo volume arremessado, inclinei-me a supor que a ave em questão andava se dedicando a uma dieta de engorda proporcionada pelos farelos generosamente distribuídos a ela e a seus pares pelos tradicionais ocupantes dos bancos da praça. E deve ter sido treinada por algum esquadrão antiterror norte-americano, porque andava (ou voava) muito bem de mira.
O que fazer numa situação dessas, a partir do instante em que você encerra a sequência de vitupérios endereçados ao maldito bicho e dá uma pausa nas maldições lançadas contra a maré de sorte, que, em sua praia, parece não estar dando bom pé? Carrego comigo uma pasta de trabalho, na qual enfio de tudo o que julgo que haverá de me ser útil durante as jornadas pela urbe, como agendas, canetas, livros, halls, documentos. Exceto paninhos perfumados. Minha mãe sacou da bolsa paninhos perfumados para limpar a nojeira de si mesma quando foi ela vítima de situação semelhante em Ijuí, setecentos anos atrás, quando eu era criança. Eu não tenho bolsa, tampouco sou mãe... portanto, vi-me desamparado e irremediavelmente imundo em plena praça, numa tarde ensolarada.
Amenizei o problema recorrendo a um banheiro público, ali próximo. Em casa, à noite, depois de minha esposa parar de rir, senti-me grato por viver em uma época em que ainda há pássaros voando sobre nossas cabeças. Mas mais grato ainda pela sabedoria da Mãe-Natureza, que não fabricou elefantes com asas...



(Crônica publicada no jornal Informante, de Farroupilha, em 24 de junho de 2011)

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Para ficar moderninho

Acreditem no que eu digo: Dia dos Namorados opera milagres nas pessoas. Digo por experiência própria. E relato aqui a historinha, para ilustrar a teoria que pretendo defender ao final da crônica. Acompanhe linha a linha.
Minha esposa é minha eterna namorada, certo? E eu, o dela, hum-hum? Portanto, nada mais natural que sigamos trocando presentinhos quando a data enamorada aflora no calendário, como no último domingo, né? Pois então estávamos, dia desses, às vésperas da data, circulando pelos corredores de um shopping center da cidade quando minha esposa estacionou junto ao balcão repleto de telefones celulares em uma loja. Ela estava determinada a me comprar um novo aparelho a título de presente do Dia dos Namorados, e me pegou de jeito, sem me dar tempo para pensar, sabendo que, caso contrário, eu escapo desse tipo de situação que nem o Cascão foge da água.
Há anos que ela encasqueta com meu celularzinho de estimação. Diz que está velho, feio, fora de moda, estropiado, indecente, seboso, ridículo e inconveniente, entre ouros adjetivos deletérios que afloram à mente dela sempre que se refere ao pobre de meu parceiro de uma década. Sim, meu celular tem dez anos de vida e de uso. Adoro ele. Ele faz ligações, recebe chamadas, recebe mensagens, marca a hora e possui despertador. O manual garante que ele desempenha diversas outras funções, mas jamais usei nenhuma delas.
Agora, estava na iminência de ser agraciado com um aparelho moderníssimo, que faz tudo e mais um pouco: tem função de toque na tela, possui GPS, acessa a internet, tira fotos, filma, sapateia, alimenta o gato e massageia meus pés. Dito isso, o vendedor perguntou se eu desejava testar o aparelho, para confirmar que ele era capaz de fazer tudo aquilo. Respondi que era melhor testarmos a mim, ao cliente, para vermos se EU era capaz de operar tudo aquilo. Quem deveria entrar em teste era eu, e não o trequinho. Quando enfim identifiquei a existência da função que permite fazer e receber ligações, topei na hora o presente.
A teoria é essa: o amor move montanhas. E é capaz até de fazer um gliptodonte como eu atualizar o aparelho de celular. Agora me liguem, por favor (como é que atende mesmo...?)!
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 17 de junho de 2011)

domingo, 12 de junho de 2011

Compre um tanque

Vamos conversar sobre algumas obviedades que, apesar de serem óbvias, parecem às vezes esquecidas pelos (pseudo) cidadãos que infestam as ruas e estradas de nossas cidades serranas. Uma obviedade, quando esquecida, na verdade está sendo é deliberadamente negligenciada, porque obviedades não se esquece, é óbvio. Aí, quando se faz de conta que foram esquecidas, não se trata de esquecimento real, mas sim de sem-vergonhice mesmo.
A obviedade da civilidade no trânsito, por exemplo. Foi-se para as cucuias, junto com o espaço para transitar. É verdade que o tráfego está caótico nas cidades e nas estradas; que há veículos demais e alternativas viárias de menos; que o engarrafamento é uma constante; que não há vagas para estacionar apesar dos estacionamentos rotativos e das garagens pagas; que isso tudo gera ansiedade e estresse nos motoristas que, por isso mesmo, acabam dirigindo ainda pior. Tudo isso é verdade. Porém, nada disso justifica incivilizar-se ainda mais, assumir deliberadamente a barbárie e intensificá-la.
Tenho percebido que alguns (pseudo) cidadãos estão optando por adquirir caminhonetes enormes como se elas fossem a alternativa individual para se blindarem contra os estresses do trânsito. Pior do que isso: ao ligarem os motores e saírem às ruas, dirigem como se fossem os donos do pedaço, como se as regras de trânsito não mais se aplicassem a eles e seus bólidos. Como se tamanho passasse a ser documento, e não mais a carteira de motorista, que ainda suponho que possuem. Enfiar a carcaça motorizada por cima dos demais, abrir espaço a força, ignorar as leis da preferência é o que passa a ser a preferência de muitos desses condutores, que se julgam protegidos pela altura e pelas dimensões reforçadas do veículo que (mal) conduzem.
Não são todos, eu sei, e a culpa da guerra no trânsito não é só deles. Mas são muitos, o suficiente para gerarem um comportamento padrão e facilmente detectável. Calma, gente. Lamento informar e ter de dizer o óbvio, mas a solução para o problema comum e geral não é a aquisição de brucutus sobre rodas para enfiá-los por cima dos outros, abrindo alas à força. Isso, no final das contas, só reflete o perfil brucutu de quem os dirige.
Porém, se a ideia é mesmo essa e vingar, não vou ficar aqui chorando as pitangas. Vou abrir uma revenda de patrolas com ar-condicionado e de tanques de guerra com air-bag para circulação urbana, antes que outro empreendedor o faça e roube minha pioneira iniciativa.
(Crônica publicada no jornal Informante, de Farroupilha, em 10 de junho de 2011)

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Doces despertares

Poucas coisas na vida são mais agressivas do que ser içado do meio do sono pelo serviço sempre histérico de um despertador. É quase um crime de leso-sono. Um atentado terrorista contra a doçura natural do andamento do dormir rumo ao suave despertar, que é o que deveria ser a tônica de todas as nossas manhãs. Precisamos, no entanto, do auxílio do artefato despertatório, uma vez que, atualmente, trabalhamos muito, deitamos tarde, dormimos pouco e, se deixássemos pelo ritmo normal da natureza, acordaríamos sempre por volta do meio-dia e daríamos “oizinho” para o chefe lá pelas três da tarde, o que se transmutaria em um “tchauzinho” da parte dele, acompanhado por um pé (dele) na (nossa) calipígia.
Os fabricantes de despertadores - sejam os tradicionais relógios orelhudos que fazem “trimm” ou os mais moderninhos rádios-relógios que ligam na voz do radialista anunciando a temperatura - sabem que seria inócuo construir artefatos que primem pela doçura. Ninguém despertará de um salto, correrá do avesso ao banheiro, escovará os dentes com o pente de cabelo e voará para o trabalho a partir de uma suave musiquinha de Bach ou da Carla Bruni. É preciso produzir algo que soe como um martelo afundando o cérebro mesmo, e que nos empurre para fora da cama com a persuasão de um urso siberiano nos perseguindo pela Avenida Júlio de Castilhos, conforme o enredo do meu mais recente sonho interrompido por meu adorável despertador amarelo.
Preocupante é o fato de os fabricantes não se responsabilizarem pelo estado dos usuários de despertadores logo após concluído o serviço. Eles não respondem por aquela massa amorfa semidormente que somos quando nos erguemos por impulso da cama após o soar do aparelho, tampouco pelo que fazemos naqueles instantes em que a alma ainda não entrou em nossos corpos. Ontem, por exemplo, amarfanhei-me em meio ao cabideiro repleto de roupas estacionado num canto do quarto e saí de lá com uma lingerie (da esposa) pendurada em uma das orelhas e o cinto marrom que eu tanto procurava enfiado no pescoço. Sorte que notei os adereços antes da primeira reunião do dia. Mas nada que uma boa noite de sono não solucione, quando ela for possível...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 10 de junho de 2011)

sexta-feira, 3 de junho de 2011

A trama do trema

Meu computador se julga mais esperto do que eu. Ou isso, ou sofre de servilismo exacerbado, porque, sempre que me ponho a escrever algo no programa Word, ele decide me ajudar e se coloca a antecipar aquilo que penso, ou a complementar aquilo que não disse e nem tencionava dizer. Alfabetizado ainda antes da novíssima reforma ortográfica, não tem jeito de ele assimilar a informação de que linguiça perdeu o trema e que a consequência (preciso voltar e retirar o trema outra vez) disso é que preciso sempre ficar monitorando com o canto do olho o que ele se bota a aprontar nas frases que já digitei lá atrás, enquanto avanço célere texto adentro.
Quando vou ver, espalhou ele trema por tudo que é “u” precedido de “g” e “q” e seguido de “i” ou “e”. Pior é que, quando retorno e arranco das garras dele os tremas, pulverizando-os com os poderes da insensível tecla “Del”, ele se magoa e fica apontando minha rude intervenção com um sublinhado vermelho sob a desolada linguiça destremada, como a me acusar de haver cometido uma violência sanguinária (em “sanguinária”, ele agora não se mete a meter trema, ou por estar ressabiado ou por saber que forcei o surgimento da palavra só para testá-lo). Isso sem falar na ideia fixa que ele teima em alimentar de que “ideia” ainda leva acento agudo. Na verdade, “ideia”, de tanto uso, ele parece já ter fixado (percebo isso ao parir agora esta crônica), porém, nas demais paroxítonas que possuem os ditongos abertos “ei” e “oi”, como “heroico”, “estreia”, “jiboia” e outros, ele segue polvilhando acentos e me obrigando a dar marcha-a-ré no texto para corrigir o fruto (para não digitar de novo “consequência”) de sua proatividade.
E o que fazer quando ele resolve exibir cultura geral e adulterar nomes próprios, metendo acentos onde não existem, criando armadilhas que, se não detectadas e sanadas em tempo, podem vir a me causar constrangimentos talvez irreversíveis? Quem é que adestrou esse programa? O que o faz pensar que está apto a escrever por mim? E se depois o editor julgar que ele escreve melhor do que eu e oferecer a ele esse meu espaço semanal? Tudo começa com um simples trema. Fiquem alertas, escritores!
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 3 de junho de 2011)