Passar a mão na cabeça é uma figura de linguagem utilizada sempre que pretendemos demonstrar que alguém está sendo conivente com atitudes e posturas de outras pessoas que, a bem da verdade, deveriam ser alvo de reprimendas ou de uma reorientação mais determinada. Tapar os olhos, fazer vistas grossas, dar um tapinha nas costas do infrator ou do mal-educado são atitudes que correm o risco de pavimentar o caminho para a alimentação de monstros que serão difíceis de controlar mais tarde.
Veja Hitler na Europa na primeira metade do século passado, por exemplo. Tanto na Alemanha quanto fora dela, ninguém se preocupou muito com as consequências dos discursos histriônicos daquele falastrão de bigodinho a la Charlie Chaplin. Só que de palhaço ele não tinha nada, e a fatura mundial que teve de ser paga por ninguém ter tido o trabalho de cortar as suas asinhas de morcego enquanto ainda era tempo resultou em um valor altíssimo em vidas humanas. Quando resolveram reagir, ele já tinha mais da metade da Europa e boas partes de outros continentes subjugados ao delírio insano com que via o mundo, e quase que foi tarde demais.
O que a História tenta nos ensinar é que não devemos deixar as coisas beirarem o limite perigoso que se manifesta quando se chega próximo de cruzar a linha entre o “ainda é possível fazer alguma coisa” e o “é tarde demais”. Resgatar e ressaltar a importância do cultivo e do exercício de valores básicos de convivência em sociedade, especialmente entre as novas gerações, é um esforço que precisa ser empreendido por todos aqueles que lidam com gente enquanto ainda é tempo, para que não seja tarde demais. Para que o barbarismo não volte a imperar. Godos, ostrogodos e visigodos foram algumas das hostes bárbaras que levaram à bancarrota o Império Romano. Temos de impedir que essas hordas renasçam, e a única arma capaz de fazê-lo é a educação.
Mas eu me refiro aqui a uma educação mais abrangente, que signifique principalmente o esforço em gerar conceitos de civilização e de civilidade nos jovens, e mais, que também se manifeste no sentido de resgatar esses valores em cidadãos não mais tão jovens assim e que parecem ter esquecido completamente o sentido das lições que recebiam de seus pais, tios e avós. É equivocado o conceito de que devemos preparar um mundo melhor para nossos filhos e netos. Isso é passar a mão na cabeça deles, lustrando a irresponsabilidade e gerando pessoas que esperam receber as coisas de mãos beijadas. Precisamos, isso sim, é preparar melhor nossos filhos e netos enquanto cidadãos civilizados que sejam capazes de eles mesmos, com seus próprios méritos e esforços, construírem um mundo melhor para viver.
O ex-Beatle Paul McCartney costumava conversar com sua esposa Linda Eastmann a respeito do que almejavam para seus filhos, e revelou que “tudo o que poderíamos querer para eles era que tivessem bom coração”. Conseguir alcançar isso já é fazer muito pela humanidade: botar no mundo pessoas que tenham bom coração. O resto tem de ficar por conta deles.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em junho de 2010)
2 comentários:
Perfeito, Kirst!
J.Cataclism
Concordo com o J. Cataclism, perfeito seu texto, Marcos.
Grande abraço
Guilherme
Postar um comentário