segunda-feira, 3 de setembro de 2012

O futuro possível no folhear das páginas



Esteve em debate dia desses, como tema dos encontros literários intitulados “Máquina de Escrever”, promovidos pelo escritor Marco de Menezes, pelo jornalista Carlinhos Santos e por este cronista, a questão da ficção-científica enquanto gênero maltratado como um dos patinhos feios da literatura. Junto com o participativo público presente ao agradável debate realizado nos domínios da livraria e cafeteria Do Arco da Velha, em Caxias do Sul, ocupamo-nos em demonstrar que o gênero merece um olhar mais cuidadoso e desprovido do preconceito típico que gosta de rapidamente classificar como “subliteratura” tudo aquilo que não se enquadra em classificações tidas por “nobres” como romance, conto, crônica e poesia.
Ao refletirmos sobre as origens da ficção-científica por meio da análise das obras de alguns autores como Mary Shelley e sua novela gótica “Frankenstein”, Edgar Allan Poe e seu conto fantástico intitulado “A Aventura Sem Paralelo de Um Tal Hans Pfaal”, Robert Louis Stevenson e a história de horror científico-psicológica “O Médico e o Monstro” e outras, percebemos que, desde os primórdios, um elo parece ser comum a todas essas obras e se faz presente nos demais títulos posteriormente exercitados pelos autores fundadores do gênero, mantendo-se presente nas criações dos modernos que se dedicam a esse campo literário. Esse ponto comum poderia ser resumido como a tentativa de resposta ao anseio do ser humano em antecipar o futuro em busca de conforto psíquico para sua existência no presente. Por meio do exercício livre da imaginação transposto às artes, no caso, as literárias, buscaríamos a sensação tranquilizadora de antever o que o futuro nos trará, por mais sombrio que seja, para aplacar assim nosso visceral temor pelo desconhecido. Nisso reside talvez, em boa parte, o interesse despertado por essas obras, no transcurso dos últimos séculos.
Refutando a pecha de “má-literatura” e mesmo a de “subliteratura”, preocupamo-nos em mostrar, durante o referido debate, a qualidade de várias obras cujas temáticas e abordagens se encaixam dentro do gênero ficção-científica, várias delas assinadas por irrefutáveis grandes lumes da literatura universal. Entre esses, citamos, por exemplo, gente como H.G.Wells (“A Máquina do Tempo”, “A Guerra dos Mundos”, “O Homem Invisível”), Jules Verne (“Vinte Mil Léguas Submarinas’, “Viagem à Lua”), Adolfo Bioy Casares (“A Invenção de Morel”, “A Trama Celeste”), Jorge Luis Borges (”O Aleph”), Ray Bradbury (“Farenheit 451”, “As Crônicas Marcianas”), Isaac Asimov (“Eu, Robô”), Arthur C. Clarke (“2001: Uma Odisseia no Espaço”), George Orwell (“1984”), Aldous Huxley (“Admirável Mundo Novo”), Ignácio de Loyolla Brandão (“Não Verás País Nenhum”), Ítalo Calvino (“As Cosmicômicas”). Todos são literatura de primeira qualidade, sem exceções.
Claro que, nesse ponto, cabe o questionamento relativo ao que é “boa literatura”, conceito abstrato e essencialmente personalizado, decorrente do senso estético e das vivências de cada um. No entanto, geralmente somos unânimes em classificar como “boa” toda a literatura (e também toda a expressão artística da natureza que for) que consegue estabelecer alguma espécie de comunicação conosco, que consegue falar à nossa alma, representar nossas angústias, anseios, temores. Assim sendo, a “boa” ficção-científica é aquela que, em última análise, por trás de robôs cibernéticos, naves espaciais, sistemas totalitaristas, drogas anestesiantes etc, proporciona alguma espécie de reflexão sobre a condição humana. E todas as obras e autores citados nesse texto possuem esse atributo, valendo a pena serem lidas. Um mundo despido de preconceitos, inclusive os literários, é talvez uma das maiores utopias de ficção-científica que já se pôde imaginar.
(Texto publicado na seção "Planeta Livro" da revista "Acontece Sul", edição de agosto de 2012)

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