Esteve
em debate dia desses, como tema dos encontros literários intitulados “Máquina
de Escrever”, promovidos pelo escritor Marco de Menezes, pelo jornalista
Carlinhos Santos e por este cronista, a questão da ficção-científica enquanto
gênero maltratado como um dos patinhos feios da literatura. Junto com o
participativo público presente ao agradável debate realizado nos domínios da
livraria e cafeteria Do Arco da Velha, em Caxias do Sul, ocupamo-nos em
demonstrar que o gênero merece um olhar mais cuidadoso e desprovido do
preconceito típico que gosta de rapidamente classificar como “subliteratura”
tudo aquilo que não se enquadra em classificações tidas por “nobres” como
romance, conto, crônica e poesia.
Ao
refletirmos sobre as origens da ficção-científica por meio da análise das obras
de alguns autores como Mary Shelley e sua novela gótica “Frankenstein”, Edgar
Allan Poe e seu conto fantástico intitulado “A Aventura Sem Paralelo de Um Tal
Hans Pfaal”, Robert Louis Stevenson e a história de horror científico-psicológica
“O Médico e o Monstro” e outras, percebemos que, desde os primórdios, um elo
parece ser comum a todas essas obras e se faz presente nos demais títulos
posteriormente exercitados pelos autores fundadores do gênero, mantendo-se
presente nas criações dos modernos que se dedicam a esse campo literário. Esse
ponto comum poderia ser resumido como a tentativa de resposta ao anseio do ser humano em antecipar o
futuro em busca de conforto psíquico para sua existência no presente. Por meio
do exercício livre da imaginação transposto às artes, no caso, as literárias, buscaríamos
a sensação tranquilizadora de antever o que o futuro nos trará, por mais
sombrio que seja, para aplacar assim nosso visceral temor pelo desconhecido. Nisso
reside talvez, em boa parte, o interesse despertado por essas obras, no
transcurso dos últimos séculos.
Refutando a pecha de “má-literatura”
e mesmo a de “subliteratura”, preocupamo-nos em mostrar, durante o referido
debate, a qualidade de várias obras cujas temáticas e abordagens se encaixam
dentro do gênero ficção-científica, várias delas assinadas por irrefutáveis
grandes lumes da literatura universal. Entre esses, citamos, por exemplo, gente
como H.G.Wells (“A Máquina do Tempo”, “A Guerra dos Mundos”, “O Homem
Invisível”), Jules Verne (“Vinte Mil Léguas Submarinas’, “Viagem à Lua”),
Adolfo Bioy Casares (“A Invenção de Morel”, “A Trama Celeste”), Jorge Luis
Borges (”O Aleph”), Ray Bradbury (“Farenheit 451” , “As Crônicas
Marcianas”), Isaac Asimov (“Eu, Robô”), Arthur C. Clarke (“2001: Uma Odisseia
no Espaço”), George Orwell (“1984” ),
Aldous Huxley (“Admirável Mundo Novo”), Ignácio de Loyolla Brandão (“Não Verás
País Nenhum”), Ítalo Calvino (“As Cosmicômicas”). Todos são literatura de
primeira qualidade, sem exceções.
Claro que, nesse ponto,
cabe o questionamento relativo ao que é “boa literatura”, conceito abstrato e
essencialmente personalizado, decorrente do senso estético e das vivências de
cada um. No entanto, geralmente somos unânimes em classificar como “boa” toda a
literatura (e também toda a expressão artística da natureza que for) que
consegue estabelecer alguma espécie de comunicação conosco, que consegue falar
à nossa alma, representar nossas angústias, anseios, temores. Assim sendo, a
“boa” ficção-científica é aquela que, em última análise, por trás de robôs
cibernéticos, naves espaciais, sistemas totalitaristas, drogas anestesiantes
etc, proporciona alguma espécie de reflexão sobre a condição humana. E todas as
obras e autores citados nesse texto possuem esse atributo, valendo a pena serem
lidas. Um mundo despido de preconceitos, inclusive os literários, é talvez uma
das maiores utopias de ficção-científica que já se pôde imaginar.
(Texto publicado na seção "Planeta Livro" da revista "Acontece Sul", edição de agosto de 2012)
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