segunda-feira, 25 de março de 2013

Barba e cabelo


Sentei-me na cadeira e, enquanto cobria meu peito com o fino avental azulzinho, o barbeiro foi perguntando, por detrás do dente de ouro e do bigode preto: “Vamos tirar o que está sobrando e deixar só o essencial?”. Assenti com a cabeça cabeluda, emendando que sim, era isso mesmo o que ele deveria fazer com meu cabelo, a exemplo dos escultores que, frente a um bloco bruto de pedra, extraem os excessos para que nela surja a figura decorrente de seu talento. “Isso, Senhor Barbeiro, seja também um artista capilar, um escultor de melenas, devolva-me um visual socialmente aceitável a partir de suas mãos de tesoura”.
Estabelecida a cordialidade, passamos à prática da conversação amiga sobre assuntos diversos, enquanto os golpes certeiros da tesoura iam reformatando a paisagem que me encimava a testa. Com a destreza de quem poda um arbusto, o barbeiro se transformava no jardineiro da minha cabeça, ocupado em extirpar o inço que ia caindo no chão na forma de chumaços de cabelos grisalhos que já não mais me pertenciam.
Mas apesar de falante, estava tomado por pensamentos melancólicos naquela tarde, o meu barbeiro. Refletia ele em voz alta para meus ouvidos alertas a respeito do futuro de sua profissão que, a ser ver, está com os dias contados. “Ninguém mais quer ser barbeiro. No máximo, viram cabeleireiros, o que não é a mesma coisa. O arremate, por exemplo. O cuidado com o arremate final de um cabelo, que o deixa realmente bem feito, esse só é feito pelos antigos barbeiros”, afirmou meu antigo barbeiro, com o que concordei em voz alta sem assentir com a cabeça, pois que é perigoso chacoalhar a cabeça quando ela está sob as tesouras e navalhas de um barbeiro, mesmo que antigo.
“E sabe quem foi o responsável por começar a diminuir a clientela dos barbeiros, décadas atrás?”, inquiriu. Não, eu não sabia. “Foi a lâmina Gillette G2. Com ela, os homens começaram a se barbear em casa, sem risco de se cortar, o que reduziu nosso movimento”, explicou. Não imaginava que aquele pequeno artefato de plástico causara tamanho desgosto em meu velho barbeiro. Eu, que sempre fiz a barba em casa, tenho sido cúmplice na extinção de um ofício. Fiquei de (agora poucos) cabelos em pé com a revelação. Não estranhem se me virem por aí barbudo.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 22 de março de 2013)

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