segunda-feira, 24 de julho de 2017

Naquelas datas queridas

Naqueles remotos tempos de antanho, quando éramos crianças e fazíamos aniversário, não existiam empresas especializadas na produção e organização de festas infantis. Os palcos das reuniões dos amiguinhos, dos pais dos amiguinhos e dos parentes (tios, avós, primos) eram as casas das famílias mesmo, que em geral possuíam pátios e gramados pelos quais podíamos, depois de cantado o “Parabéns” e engolidos alguns litros de refrigerante, sair correndo desenfreados a brincar de esconde-esconde, pega-pega, chutação de bola, pula-corda e assemelhados, cujo resultado podia-se verificar à noite na hora de dormir, quando os joelhos esfolados eram apaziguados com a ardência do Merthiolate e os assopros consoladores das mães.
Se chovia, a bagunça era dentro de casa mesmo e arredavam-se cadeiras na sala para dar espaço à montagem do Forte Apache e das pistas para corrida de carrinhos de ferro (Matchbox, não Hot Wheels), ou para o esconde-esconde que resultava nas cortinas da casa emporcalhadas por mãozinhas e bocas lambuzadas de brigadeiro e glacê. Corria-se muito. Gritava-se muito. Ria-se aos borbotões. Caía-se às pencas. Levantava-se e voltava-se a correr. E a gritar. E a dar mais uma acelerada rumo à mesa dos doces, ultrapassar a barreira das pernas de algum tio esfomeado que atacava os croquetes e capturar uma mãozada de docinhos produzidos pelas próprias mãe, tias e avós do aniversariante. E de volta ao agito. Doce de confeitaria? Nem pensar! As já citadas mães, avós e tias é que formavam o batalhão que rumava às cozinhas às vésperas da data, para produzir as guloseimas que seriam fartamente consumidas no dia aniversarial. A única telentrega de que se tinha notícia era a de amor e afeto.
Ah, os bolos de aniversário configuravam um capítulo à parte. Minha mãe e avós eram verdadeiras artistas e produziam esculturas comestíveis tão belas quanto saborosas com massa de bolo, cremes doces, chantilly, merengues, gelatinas e assemelhados. Certa feita, meu bolo de aniversário era uma oca indígena, com índios de plástico do Forte-Apache dançando em volta (que, felizmente, sobreviveram ao ataque voraz dos mocinhos e mocinhas esfomeados). Em outra ocasião, o bolo era um tambor; depois, um relógio; um saloon de bangue-bangue com a diligência puxada a cavalo; a cara de um palhacinho e assim por diante.
Mas eram outros tempos. Hoje há quem faça e entregue. E ainda bem, afinal, não há mais horas de sobra nos dias de ninguém. Só espero não chegar a ver o tempo em que terceirizaremos também os convidados.

 (Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 17 de julho de 2017)

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