segunda-feira, 7 de agosto de 2017

O cotovelo do "troglolaite"

Não adianta, e a madama bem sabe disso: pau que nasce torto jamais endireita. É o meu caso, como a amiga leitora já percebeu. Observe. Noite dessas, presente que me fazia a um evento social concorridérrimo (o sufixo “dérrimo” é mais chique que o sufixo “díssimo”, são detalhes que fazem a diferença ao socializar, a senhora atente), transitava eu feito um Titanic periclitante por um mar de icebergs, equilibrando minha tacinha de champanha que aprendi a chamar de espumante, quando meu cotovelo esbarrou contra uma pirâmide de macarons que de pronto foi a pique.
Veio abaixo a refinada estrutura piramidal de plástico que sobre uma mesinha de centro sustentava e exibia os delicados, coloridos, deliciosos e disputados (especialmente entre as madamas, madaminhas e madamoças) docinhos ao estilo francês, que redonda e rapidamente se espalharam pelo salão, por entre saltos e sapatos, alguns indo parar junto aos rodapés e outros sendo infeliz e grotescamente esmagados e espetados pelo transitar frenético da sociedade. Meu desequilibrado gesto antissocial foi flagrado por uma dupla de garçons, cujas bandejas petrificaram. Boquiabertos, não sabiam o que fazer frente ao desconhecido (frente ao desastre desconhecido, não frente a mim, que por essas e outras ando cada vez mais conhecido).
Mas, como já aprendi nessas sociais ocasiões, fiz que não era comigo. Recolhi o cotovelo desastrado, bebi um gole do champanha, digo, do espumante e parti rumo ao garçom que no outro canto distribuía fumegantes panelinhas de louça recheadas com risoto ao funghi, a julgar pelo aroma de cogumelo farejado por minhas narinas que, nesses eventos, ficam afiadamente antenadas. Em duas passadas deixei às costas a cena da tragédia, sem presenciar os atos de salvamento. Isso até ser flagrado pelo olhar fixo e recriminador da senhora, madama! A senhora, que viu tudo: não só meu ato titânico de abalroar e desmantelar a pirâmide de macarons, como especialmente a minha imediata e covarde fuga da cena do crime, uma mão no bolso e a outra na taça da champanha (do champanha... da champanhe... do champanhe... e afunda-se de vez a classe).

Pois é, madama, a senhora, enfim, conseguiu ver o que há por trás da máscara: eu não sou um socialaite. Sou mesmo é um troglolaite. Um troglodita social. Um protossocial, um ser desprovido de ginga social. Um cavernossocial. Engomadinho, ensacado em um blaser e perfumado, até que engano alguns poucos por curtos momentos. Só que é impossível deixar em casa os cotovelos. O cotovelo de um troglolaite sempre acaba vindo à tona.
(Crônica de Marcos Fernando Kirst publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul,em 31 de julho de 2017)

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