segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Um café para o Palhares

O Palhares insistia em me vir com política. Eu dizia: “bah, Palhares, política? Política não, né? Já está tudo tão esdrúxulo, tudo tão desavergonhado no Senado, no Planalto, na Assembleia... Fazem baixezas na Câmara alta, altas falcatruas na baixa e ainda queres me vir com política? Política não, né, Palhares. Pede um pão de queijo e me acompanha em um pingado que, pra começar o dia, melhor mesmo é conferirmos quem apareceu na Social do Pulita e depois sorver a reflexão do frei Jaime, para ver se renovamos o ânimo para mais um dia de labuta”.
Dizia isso e o Palhares meneava a cabeça em silêncio, me olhando de lado com um sorriso mal-acabado na ponta do rosto, como que dizendo que eu não tinha jeito mesmo, que essa postura passiva é que levava ao caos que agora se estabelecia e tomava conta. Arrebatava das minhas mãos o Pioneiro e abria direto na coluna da Rosilene Pozza para se indignar com os embates na Câmara e os ires e vires dos que vão e dos que vêm, pontuando o andar dos que ficam. “Política, rapaz, política. Tudo passa pela política. Precisamos sempre estar atentos, acompanhar, fiscalizar. Se não for pela política, nada vai mudar nesse país”, sentenciava o Palhares, bebericando o pingado fumegante que aquecia nossas manhãs no entorno da Praça Dante.
O Palhares está coberto de razão, eu sei. Ele defende a essência basilar do fazer política, que deveria mover genuinamente todos os cidadãos que decidem ingressar nela, a saber: dedicar-se à construção do bem comum. Os ataques pessoais, o arrivismo, o jogo de interesses, a corrupção, a prevaricação, são desvios operados por quem ingressa na vida pública com o único propósito de aprimorar a privada. A sua própria vida privada. E aí dá no que dá. Quando o desvirtuamento ocasional se transforma em padrão, as instituições políticas começam a ser corroídas pelo apodrecimento de suas bases e fundamentos. É aí que se instala a desesperança, que também precisa ser combatida porque, se ela tomar conta, a festa dos desvirtuados passa a não ter hora para acabar.

Precisamos de mais Palhares. De cidadãos que não desacreditem no instrumento civilizatório que é o fazer política com seriedade e abnegação, conforme foi idealizado em sua origem. E que exijam de seus protagonistas uma atuação condizente com as bases e fundamentos da atividade pública. Para que as discussões sobre política possam voltar a ser encaradas como produtivas, fundamentais e necessárias para o contínuo desenvolvimento da sociedade. Tá certo o Palhares. Mais um cafezinho aqui pro Palhares, por minha conta.
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 9 de outubro de 2017)

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