Nós, que esta gaúcha Serra habitamos, já conhecemos bem o disco, sabemos
a letra de cor e salteado: nosso clima é volúvel, instável, poderíamos até
dizer... desequilibrado, se isso não soasse desabonador demais a ele. Pois é
aquela coisa, quem nasce aqui ou elege essas aragens para morar, precisa se
acostumar a essas instabilidades temporais que revestem as 24 horas de cada dia
com uma aura de aventura climática capaz de enregelar os nervos, elevar a
temperatura da paciência, resfriar as imunidades e ventar para longe o humor. A
expressão “faça chuva ou faça sol” não tem sentido na nossa região, onde faz
chuva, sol, cerração, vento, granizo, calor, frio e umidade tudo ao mesmo
tempo, em um desfile digno de corso alegórico.
E frente a esse imutável quadro tão mutável, o que fazemos? Reclamamos,
que é só o que nos resta fazer, pois não? Não! Não mesmo. A verdade é que as
coisas podem ser diferentes, mais suaves e poéticas, o que, em face à
irreversibilidade do temperamento do clima, pode vir a ser mais benfazejo ao
equilíbrio de nossas temperaturas psíquicas internas. Veja só de que maneira
reagiu, por exemplo, o escritor gaúcho Erico Verissimo (1905 – 1975) quando
deparou com uma situação climática semelhante a essa em uma das viagens que fez
aos Estados Unidos, em 1943:
“O clima é de tal maneira delicioso
nesta parte de Bay Area, que num mesmo dia a gente vê e sente passar, numa
espécie de paráfrase, a ronda das estações. Quando saio pela manhã, às oito,
para ir buscar a correspondência ao correio, é inverno; o céu está coberto de
cerração, o ar é frio. Às dez, quando me dirijo para o pavilhão das aulas, vem
chegando a primavera; o sol doura o nevoeiro, que começa a esgarçar-se e
erguer-se, e as primeiras nesgas de azul aparecem para além das franças dos
eucaliptos. Do meio-dia às cinco da tarde estamos em pleno verão, brilha um sol
de ouro, o ar é quente e seco, o céu em geral limpo, e a piscina se enche de
banhistas. Depois das cinco começa o outono, a luz se faz mais madura, entra a
soprar um vento fresco, e os banhistas, meio arrepiados, deixam a água. Com a
noite vem o inverno, e as mesmas raparigas que ainda há pouco nadavam na água
azul da piscina enfiam seus suéteres e saem em grupos por essas estradas, vão
para os diversos halls onde há concertos, conferências, reuniões... E num céu
onde a bruma é como um véu muito tênue,
brilham estrelinhas de gelo”.
A genialidade que habita a alma do autor transformou o limão climático em
limonada poética. Verissimo nos convida a fazer brilhar sol onde insiste em
chover.
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 15 de janeiro de 2018)
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