segunda-feira, 8 de outubro de 2018

E de sobremesa, um paradoxo

Nestes tempos bicudos, um cronista, por mais mundano que se apresente, não pode se furtar de oferecer a seus leitores alguns momentos de reflexão sobre temas relevantes para a compreensão do mundo que nos cerca, fazendo jus à essência do conceito “crônica”, oriundo do termo grego “chrónos”, usado para designar o tempo (o tempo cronológico, madama, não aquele volúvel e indisciplinado que tanto atazana os meteorologistas). Se a crônica induz a debruçar um olhar sobre as coisas de nosso tempo e de nosso mundo, urge que o cronista cronique reflexivamente vez que outra, a fim de manter viva a chama do interesse e justificar sua permanência no espaço que ocupa. Lá vamos nós, então, hoje, debater sobre um paradoxo que, sazonalmente, assola os pensamentos deste dedicado cronista de segunda.
O leitor pertinente e a leitora sagaz logo esperariam, frente ao anunciado, que o cronista estaria prestes a compartilhar alguma reflexão reveladora a respeito, por exemplo, do famoso “Segundo Paradoxo de Zenon”, que fascina a humanidade ao longo dos séculos, desde que o pensador grego Zenon de Eleia (490 a.C. – 430 a.C.) o enunciou, para queimar as pestanas de quem se dedica ao raciocínio lógico. O paradoxo tem como personagens Aquiles e a Tartaruga, ambos prestes a disputar uma corrida. Como Aquiles corre mais rápido do que a Tartaruga, os juízes posicionam o animal alguns metros à frente de Aquiles, para que tenha alguma vantagem. Dada a largada, o que Zenon propõe em seu Paradoxo é que Aquiles jamais alcançará a Tartaruga, porque, quando ele atingir o ponto de partida da Tartaruga, ela já terá se deslocado até um ponto mais adiante, e, quando Aquiles passar esse ponto, também a Tartaruga terá se deslocado, e assim até o infinito, configurando o paradoxo do movimento.

Mas não é nada disso, madama, o meu paradoxo é mais prosaico, serrano e caseiro, e intitula-se “O Paradoxo do Sagu Quente”. Pensador reflexivo que sou, fico sempre a me perguntar por que razão os serranos afirmam, em sua esmagadora maioria, preferir o sagu quente ao sagu gelado, se a iguaria nos é ofertada nos restaurantes e nos buffets a quilo sempre em temperatura ambiente? Como podem preferir quente se é servido frio? A preferência, madama, não se sustenta e não encontra amparo legal (no sentido de “bacana”). Exceto, pois, em Vila Flores, onde descobri, dia desses, um surpreendente restaurante que serve o sagu em uma panela posicionada sobre um réchaud, mantendo-o quente e deitando por terra a essência desse paradoxo de segunda. Tá, mas eu prefiro frio.
(Crônica de Marcos Fernando Kirst publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 1 de outubro de 2018)

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