segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

Melhor pessoa, com o Pessoa


Determinado a iniciar o ano com o pé direito e empenhado em tentar elevar o nível destes textos sabidamente de segunda (ciente de que as leitoras, os leitores e a madama merecem algo mais do que reiteradas tergiversações duvidosas sobre a qualidade do sagu servido na Serra, sem, no entanto, incorrer no pecado de prometer jamais retornar ao salivoso tema, aparentemente já cristalizado em crônica obsessão), ouso contar com a póstuma anuência silente do poeta lisboeta Fernando Pessoa (1888 – 1935) para reproduzir alguns de seus versos que, imagino, possam vir a calhar em vistas do despertar de alguma reflexão relevante.
O trecho escolhido provém do volume conhecido como “Fausto: Tragédia Subjectiva”, e diz assim (fôlego, madama, e vamos à poesia): “Eu procurei primeiro o pensamento,/ Eu quis, depois, a imortalidade.../ Um como o outro só deram ao meu ser/ A sombra fria dos seus vultos negros/ Na noite eterna longe dos meus braços.../ Eu procurei depois o amor e a vida/ P´ra ver se ali esqueceria a dor/ Do pensamento e da ciência firme/ Da certeza da morte. Mas o amor/ É para quem guardou a alma inteira,/ E não podia haver amor pr'a mim./ Depois na acção cega e violenta, onde eu/ Afogasse de vez toda a consciência/ Da vida, quis lançar meu frio ser.../ Mas aquilo da alma condenada/ Que me fizera em tudo um espectador,/ De mim, do mundo, do que quer que fosse,/ Proibiu-me outra cousa que assistir/ Aos [...] dos outros e aos meus/ Friamente de fora, sempre tendo/ No fundo do meu ser o mesmo horror.../ Ah, mas cansei a dor dentro de mim.../ E hoje tenho sono do meu ser.../ Dormir, dormir, de dentro d'alma, como/ Um Deus que adormecesse e cujo sono/ Fora um repouso de tamanho eterno/ E feliz absorção em infinito/ De inconsciência boa”.
Como todo o poema tecido por gênio, seus versos se prestam a infinítuplas interpretações. Uma delas (esta nossa, de segunda,) pode nos levar a detectar na fala do narrador a reiterada tentativa de buscar uma transformação interior. Algo o incomoda internamente, e ele procura apaziguar esse incômodo saindo da zona de conforto (que lhe causa nítido desconforto) para tentar agir diferente, mudando o foco, o rumo. O aspecto relevante aqui é que o personagem-narrador ousa tentar mudar. Atitude crucial, se admitirmos que o mundo externo é e sempre será um reflexo direto do mundo interior que habitamos com as nossas psiquês, as individuais e as coletivas. Só obteremos um mundo melhor a partir do momento em que nos tornarmos melhores nós mesmos. Se não, não. Feliz 2019 (e com mais poesia, se possível)!
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro", de Caias do Sul, em 7 de janeiro de 2019)

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