segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Zelar pelo bem maior


Meu sobrinho/afilhado, de nome João, encarnou (com maestria, obrigo-me a dizer, descontada a corujisse irremediável que se apossa do mundano cronista) o papel de José, esposo de Maria, na apresentação de final de ano ofertada aos pais (e dindos infiltrados) pelos aluninhos da escola em que ele estuda, erradicando de vez o analfabetismo que até então o afligia, no alto de seus sete anos de (intensa, criativa e encantadora) vida. No fim das contas, José era João, durante alguns minutos da emocionante performance, pontuando o final do ano letivo em uma confraternização entre escola, professores (alguns deles afogados em beijos e abraços desferidos pela espontaneidade das crianças que com eles convivem todos os dias), pais e penetras (que não se constrangeram em, depois, participar do ataque à mesa de gulodices destinada à comunidade escolar, mas justificamos nossa famélica atuação imaginando ocupar a lacuna deixada pelas crianças, que, nessas horas, ignoram os comes e bebes para mergulhar nas brincadeiras e correrias). 
As crianças emocionaram a todos, oferecendo um espetáculo repleto de surpresas ensaiadas (acrobacias, truques de mágica, danças, cantos, encenações natalinas) capazes de ombrear as mais profissionais montagens realizadas pela aí, nos quesitos dedicação, empenho, verdade e entrega. Acompanhadas pelo violão do professor, uniram as vinte vozes infantis em duas canções com letras complexas e intermináveis, surpreendendo (ao menos, a mim) pela capacidade de segurar a atenção de um público adulto (composto por corujas de várias idades, admito, mas corujas também têm coração, atesta a biologia animal e os veterinários, permitindo até vislumbrar a existência de alma em algumas delas). Em um canto do salão onde as encenações tinham lugar, um estandarte exibia uma frase significativa, que, acredito, explicitava a essência absoluta da experiência que ali vivenciávamos: “Família, nosso bem maior”.
Essa é a chave de tudo. Precisamos saber zelar pelos nossos bens, a começar pela família, que, sim, é o maior de todos. Nossa profissão, nossos relacionamentos, nossa saúde, nossa comunidade, nossos projetos, nossa imagem, nossas vidas, são outros bens tão importantes quanto, e precisam ser tratados com o mesmo zelo, 365 dias por ano, a fim de que essa sensação sublime que nos invade nos natais seja repleta de significado verdadeiro. Que era (e segue sendo), ao fim e ao cabo, a mensagem proposta pelo filho da família formada pelo José bíblico interpretado por meu afilhado naquela noite memorável. Feliz Natal a todos.
(Crônica de Marcos Fernando Kirst publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 23 de dezembro de 2019)

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