segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

O que não vem por download

Incorporar uma nova tecnologia à nossa vida, que encontre seu lugar entre nossos sempre enraizados hábitos, não é algo assim tão simples. Por mais que prometam revoluções e mil vantagens, nem sempre nos deixamos seduzir por um botãozinho e não são poucas as vezes em que retornamos resignada, acolhedora e pacientemente aos nossos velhos e bons chinelinhos de pano, só para usar uma imagem amigável e de fácil entendimento, né, madama, porque nenhum de nós dois pensa em trocar as chinelas por um par de patins...
Lembro, milênios atrás, quando ainda morava com meus pais na sempre saudosa Rua dos Viajantes, na Ijuí de minha infância, do presente esquisito que a família ganhou certa feita: uma faca elétrica de cortar pão! Ora, bastava enfiar na tomada o plugue, posicionar o aparelho (que se assemelhava a um aspirador de pó portátil) com as lâminas sobre o pão d´água já devidamente imobilizado e apertar o botão. As lâminas iam e vinham como um serrote, exigindo apenas que o hábil provedor do café da manhã tratasse de ir aprofundando o encravamento sobre a casca e depois o miolo, produzindo uma a uma as fatias que devoraríamos com o mel, a manteiga, o schmier (que pronunciávamos “ximia”) de uva... Mas, ao fim e ao cabo, não rolou. Muito mais fácil, rápido, ágil e eficaz meter a mão na velha faca de cortar pão retirada da gaveta dos talheres e proceder aos cortes, sem cabo elétrico, sem busca por tomada. Teve vida curta a faca elétrica, jazendo esquecida para sempre em alguma das prateleiras da cozinha.
Da mesma forma as escovas de dentes elétricas. Comigo, não vingaram. Descobri, dia desses, via contatos internacionais, que fenômeno semelhante se deu nos Estados Unidos, onde a promessa de uma vida doméstica melhor por meio da aquisição de abridores de latas elétricos também foi por água abaixo. Claro que, nessa esteira, a saga dos avanços tecnológicos apresenta, no geral, um “case” de sucesso: migramos alegremente das charretes para os automóveis de câmbio automático; aposentamos as máquinas de escrever pelos teclados de computador; as máquinas fotográficas pelos fones celulares; a pena de pavão pela esferográfica; os telefonemas pelas mensagens de whats; o estrogonofe pelo risoto de alho-poró com ervas finas; a Divina Comédia pela nova edição do BBB.
Mas o que jamais será substituído por tecnologia alguma, madama, é o olho no olho em uma conversa a dois; um aperto de mão caloroso; um bom livro no colo antes de dormir; um churrasco em família e com os amigos... Ainda tem coisa na vida que não se pode medir via megabites.
(Crônica de Marcos Fernando Kirst publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 27 de janeiro de 2020)

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