segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

Venha o pien ao prato meu


          Meus olhos brilharam no momento em que a travessa contendo meia dúzia de rodelinhas de pien atracou na nossa mesa em meio à profusão de delícias que eram arremessadas pelo garçom à nossa frente, ao ritmo da descrição automática que fazia de cada iguaria: “bígoli ao molho de pomodori, frango à passarinho, polenta brustolada, polenta frita, polenta recheada, maionese, radicci com bacon (ahhh, o radicci com bacon!!), tortéi, costelinhas de porco, queijo à milanesa, linguiça frita...”. Tudo isso após a première proporcionada pela panelona de sopa de agnoline al dente (ou será que era capeletti?), guarnecida por fofas fatias de pão colonial (aquela casca queimadinha...) e chuviscada com vigorosos arremessos de queijo ralado.
Esse festival de sabores, aromas, cores e texturas gastronômicas, tão comum nas cantinas tradicionais e típicas da região da Serra Gaúcha, faz o deleite de turistas e de nativos, que não se cansam de, de quando em vez, ou mesmo de vez em quando (que representa uma frequência maior), proporcionarem a si mesmos esses rituais de homenagem à gula, que, quando bem domesticada, pode se transformar em prazer perene e não em perigo iminente. Mas nós, nativos emprestados, oriundos de outras paragens e serranos por adoção e opção, também nos unimos a essa horda de apreciadores da gastronomia regional, caracterizada pelo assemblage sutil que mistura simplicidade com toques secretos especiais herdados de nona a nona. Certo, mas, o pien... Esse, um pouco mais raro de figurar na lista das delícias dos restaurantes, sempre que aterrissa à minha frente, faz meus olhos lacrimejarem. Mas não, madama, não chego a chorar de prazer. É a saliva mesmo que, de tão abundante, procura outros lugares para se manifestar além da boca, já totalmente inundada na antecipação do degustar da iguaria, que só vim a conhecer pela aqui, desde que passei a habitar estas paragens, quase 28 anos atrás. Ah, o pien!
Também foi ao passar a viver na Serra Gaúcha que desenvolvi o gosto pela carne lessa, pelo vinho doce oriundo das vindimas, pelo café preto pingado com graspa (há amigos serranos que tentam me aliciar ao grupo dos que invertem as doses, pingando sutis colherinhas de café preto nas generosas taças de graspa, mas minha finada vesícula me recomenda, do além, a evitar tais excentricidades), o galeto al primo canto e tantas outras atrações. Ainda não fui convertido ao crem e tampouco ao codeguin, mas o pien, madama... Ah, o pien, é pérola em rodelinhas a povoar de estrelas o céu de mina boca! Quem disse que não há poesia na hora de mangiar?
(Crônica de Marcos Fernando Kirst publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 10 de fevereiro de 2020)

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