Quatro são os
defeitos de personalidade que impedem as pessoas de serem agradáveis no mundo,
elenca a escritora britânica Jane Austen (1777 - 1817), na voz de Elinor, a
protagonista de seu romance “Razão e Sensibilidade”, levado ao público pela
primeira vez em 1811. Na condição de cronista mundano (mesmo que notadamente de
segunda), sempre atento aos aspectos aparentemente triviais que sutilmente
moldam a delicada tessitura do ato de (con)viver, me é impossível seguir batido
pela passagem e evitar de largar momentaneamente o livro de lado para dedicar
alguns minutos à reflexão sobre o trecho lido (pois não é exatamente isso o que
se espera da confluência astral entre um bom livro e um leitor esforçado,
madama minha?).
Pois foi
assim, noite dessas, os pés achinelados relaxando sobre o pufe laranja que
adorna o centro da sala, o restante do corpo (sou composto por bem mais do que
um par de pés relaxados, madama, acredite) em decúbito absoluto sobre a
extensão do sofá, o livro aberto equilibrado sem dificuldades (a edição é
pocket, porém, com texto integral) entre as mãos e a barriga fazendo a base,
que eu afastava a mente das atribulações cotidianas e me deixava enfronhar no
mundo fictício erigido pelo gênio da autora, quando deparei com a tal passagem
reveladora. “Os quatro defeitos que impedem as pessoas de serem agradáveis”!
Quais seriam? Aplicando aqui o poder contundente da síntese, que produz um
efeito mais profundo do que a prolixidade descritiva, Jane Austen classifica
assim os tais dos quatro maus elementos: a falta de sensatez, a falta de
elegância, a falta de inteligência e a falta de caráter. Na mosca, sweet Jane!
Fácil,
inclusive, de decorar a tabelinha do mau comportamento e portá-la mentalmente
quando transitamos pela vida e deparamos, com uma frequência maior do que
gostaríamos, com as desagrabilidades humanas produzidas por um ou outro desses
aspectos (ou vários deles combinados, quando não todos juntos): falta de
sensatez, de elegância, de inteligência e de caráter. De todos eles, credito
como o pior e o mais preocupante o último na ordem da lista: a falta de
caráter, porque é deliberada e consciente. De qualquer forma, são todos
igualmente deletérios ao ato civilizatório de conviver e de exercitar o
respeito mútuo em sociedade, que o processo civilizatório exige e prescinde
para se fazer viável. Grato à escritora imortal por nos presentear com essa
valiosa chave para, ao menos, podermos tentar compreender o incompreensível que
muitas vezes nos cerca nesse ato de existir juntos aos nossos semelhantes.
(Crônica de Marcos Fernando Kirst publicada no jornal "Pioneiro", de Caxias do Sul, em 2 de março de 2020)
Nenhum comentário:
Postar um comentário