sexta-feira, 26 de novembro de 2010

A palavra que começa com "c"

Há uma tendência sórdida pairando nos ares do país nos últimos tempos, e seria conveniente a gente prestar atenção a isso e dar um pára-te-quieto enquanto ainda é tempo, antes de o caldo entornar e antes que derrame-se o leite. Trata-se das tentativas de resgate da censura, que vêm sendo impetradas de norte a sul no país, em diversas esferas, movidas pelos mais diversos agentes, sempre em nome de uma discutível questão ética.
Só para ficar em exemplos recentes, vale lembrar da tentativa de censura do livro “Caçadas de Pedrinho”, de Monteiro Lobato, que deveria ser banido das salas de aula por “conter conteúdo racista” em suas páginas. Fica mais fácil para os pseudo-guardiães da ética promover o exílio da obra do que aproveitá-la justamente para estimular em sala de aula o debate sobre a intolerância e a evolução dos conceitos morais e éticos, e de como uma ideia equivocada pode influenciar até mesmo os grandes talentos de determinada época. Mas nada de discussão, o que defendem é a censura pura e simples.
Agora andam querendo aplicar censura a filmes como “Tropa de Elite 2”, retirando a recomendação de faixa etária (“não-apropriado para menores de...”) e simplesmente impondo restrição ao acesso mesmo, ou seja, censura. Em nome da preservação dos menores de 16 anos às cenas de violência do filme. Ora, tem graça. Esses mesmos que defendem a censura ao filme devido às cenas de violência, que movam então seus esforços para banir a prática da violência na vida real, que está à solta nas ruas, nas escolas, nos shoppings, na internet, no mundo todo.
Sou contra a violência. Sou contra o racismo. Sou contra a erotização precoce. E sou violentamente contra a censura. As mazelas da sociedade, soluciona-se com debate, com discussão, aclarando as mentes, não tapando sóis com peneiras. A censura é o instrumento dos nazistas, dos fascistas, dos golpistas, dos ditadores, dos intolerantes, da Ku-Klux-Klan e de outros malfeitores históricos.
Vivemos a Era da Informação. Não dá para fazer de conta que não existiu e não existe racismo ou violência. São males que existem. Devemos conhecê-los, identificá-los, nos proteger deles, combatê-los e transformá-los. Com debate, com discussão aberta, com consciência, com informação irrestrita. Censura me causa comichões. Me dá náuseas. Me faz lembrar de José Sarney, que conseguiu censurar o último filme no Brasil, “Je Vous Salue, Marie”, de Goddard, por motivos religiosos, na década de 80. Uma atitude abestalhada e de triste recordação. Mas tem gente com saudades daquela época, como pode-se perceber.
Depois não sabem por que ranjo os dentes à noite...
(Crônica publicada no jornal Informante, de Farroupilha, em 26/11/2010)

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