A gente quando vai ficando mais vivido (eu ainda tento evitar o termo “velho”), vai recordando com mais frequência os fatos da infância e traçando paralelos com a existência que moldamos para nós mesmos, no transcorrer desses anos todos. O comum é irmos amargando a boca e os sentimentos e passarmos a nos convencer de bobagens como “no meu tempo as coisas eram melhores”, como se o mundo fosse um eterno desenvoluir, teoria que não se sustenta frente a uma análise desvestida de saudosismo rancoroso por épocas que só permanecem vivas em nossas memórias.
Particularmente, desconfio um pouco da sanidade de minha interação pessoal com esse natural processo, uma vez que me surpreendo frequentemente recordando coisas que eu classificaria de, no mínimo, esdrúxulas, uma vez que fogem do conjunto aceitável normalmente composto pela saudade da máquina de escrever, do disco de vinil, da televisão a válvula, dos vizinhos reunidos nas calçadas à noite para conversar, dos Pedro e Paulo, das fogueiras de São João, do Maverick e assim por diante. Madrugada dessas, por exemplo, acordei recordando dos mosquiteiros de minha infância. As camas eram encimadas por ganchos que sustentavam perenemente aquelas redes recheadas por milhões de furinhos que permitiam a passagem do ar e deixavam do lado de fora a mosquitança que viria sugar nosso sangue e infernizar nossos ouvidos caso não existissem aqueles delicados escudos que as mães lançavam sobre os berços como véus a proteger e velar pela profundeza de nosso sono.
Eles foram caindo em desuso com o advento dos aparelhinhos elétricos que repelem os insetos, e os raros exemplares da espécie devem jazer esquecidos e rasgados no fundo de baús de velharias em casas de avós. Minha memória voltou no tempo aquela madrugada, induzida pelo zunir inesperado de um mosquito ao redor de meu ouvido, fenômeno que há muitos anos não me sucedia. Tenho certeza de que existem hoje menos mosquitos do que nos tempos de minha infância, e nunca pensei que a lembrança de um sempre tão detestado inseto me viria a servir de anfitrião para o saborear de doces lembranças. Despertei sorrindo ao escutar o zunido. Meu deus, como a gente muda...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 18 de novembro de 2011)
Particularmente, desconfio um pouco da sanidade de minha interação pessoal com esse natural processo, uma vez que me surpreendo frequentemente recordando coisas que eu classificaria de, no mínimo, esdrúxulas, uma vez que fogem do conjunto aceitável normalmente composto pela saudade da máquina de escrever, do disco de vinil, da televisão a válvula, dos vizinhos reunidos nas calçadas à noite para conversar, dos Pedro e Paulo, das fogueiras de São João, do Maverick e assim por diante. Madrugada dessas, por exemplo, acordei recordando dos mosquiteiros de minha infância. As camas eram encimadas por ganchos que sustentavam perenemente aquelas redes recheadas por milhões de furinhos que permitiam a passagem do ar e deixavam do lado de fora a mosquitança que viria sugar nosso sangue e infernizar nossos ouvidos caso não existissem aqueles delicados escudos que as mães lançavam sobre os berços como véus a proteger e velar pela profundeza de nosso sono.
Eles foram caindo em desuso com o advento dos aparelhinhos elétricos que repelem os insetos, e os raros exemplares da espécie devem jazer esquecidos e rasgados no fundo de baús de velharias em casas de avós. Minha memória voltou no tempo aquela madrugada, induzida pelo zunir inesperado de um mosquito ao redor de meu ouvido, fenômeno que há muitos anos não me sucedia. Tenho certeza de que existem hoje menos mosquitos do que nos tempos de minha infância, e nunca pensei que a lembrança de um sempre tão detestado inseto me viria a servir de anfitrião para o saborear de doces lembranças. Despertei sorrindo ao escutar o zunido. Meu deus, como a gente muda...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 18 de novembro de 2011)
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